quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

A Purificação/Ressurreição de um Leproso: Revela-Se o Senhor que Inclui.

Rev. Marcio Retamero

Evangelho de S. Marcos 1.40-45

“40 Um leproso foi até ele, implorando-lhe de joelhos: “Se queres, tens o poder de purificar-me”. 41 Irado, estendeu a mão, tocou-o e disse-lhe: “Eu quero, sê purificado”. 42 E logo a lepra o deixou. E ficou purificado. 43 Advertindo-o severamente, despediu-se logo, 44 dizendo-lhe: “Não digas nada a ninguém; mas vai mostrar-te ao sacerdote e oferece por tua purificação o que Moisés prescreveu, para que lhes sirva de prova. 45 Ele, porém, assim que partiu, começou a proclamar ainda mais e a divulgar a notícia, de modo que Jesus não podia entrar publicamente numa cidade: permanecia fora, em lugares desertos. E de toda parte vinham procurá-lo.”



          O “dia típico de Cafarnaum” conforme nos relata o primeiro capítulo de Marcos, é marcado pelas palavras e ações de Jesus, tais ações se dão no campo do miraculoso: curas e exorcismos. As palavras “com autoridade” somadas às curas e exorcismos, revelam o poder do Filho de Deus, mas não ainda a revelação plena de Jesus como “O Messias de Israel”, por isso segue a tensão entre as palavras e as ações e o “segredo” típico deste Evangelho, conforme nos prova a primeira parte do versículo 44: “Não digas nada a ninguém”...

          Nesta porção que engloba os versículos 40-45, Marcos nos conta a purificação – purificação e não cura – de um leproso. E isso é muito importante para entendermos a dimensão do que aconteceu aqui.

          O leproso é considerado um impuro que sofre na carne as consequências do seu pecado. A lepra era considerada um castigo divino – podemos confirmar isso tanto na Bíblia Hebraica (AT) como aqui, no NT – e conforme a Lei Mosaica, o leproso tornava-se um “morto social e religioso”, ou seja, um “morto vivo” que morava fora do arraial (da cidade), andava em vestes rasgadas, cabelos desgrenhados, morava no “lugar do monturo” (cf. o Livro de Jó), local onde era jogado o lixo, na sua passagem, gritava-se: “Impuro! Impuro!”; não poderia jamais conviver com os seus familiares, amigos e frequentar os serviços religiosos. A ele se impunha o ritual do luto, posto que está “morto” (Lv 13.45-46). O leproso era apartado completamente do mundo dos vivos.

          Tal era a situação do nosso leproso que corre a Jesus, declarando que Ele poderia purifica-lo, se quisesse. Jesus quis e a purificação se realizou plenamente, promessa concretizada das muitas da “Era Messiânica” (Mt 10.8; 11.5). Portanto, purificar uma pessoa da lepra, equivalia a ressurreição dos mortos, posto que trazia de volta ao mundo dos vivos, aquela pessoa que vivia no mundo dos mortos, literalmente!

         Uma nota importante: Na Bíblia de Jerusalém e em outras encontramos no vers. 41 o adjetivo “Irado” – nas Bíblias da SBB (Sociedade Bíblica do Brasil, muito usada por nós, protestantes e evangélicos), encontraremos “movido de compaixão” ou “profundamente compadecido” (Revista e Atualizada). Esta variante da transliteração do grego não é de menor importância para entendermos o texto e o seu contexto, logo, a interpretação do todo. Jesus fica irado porque o leproso quebrou a Lei, “tocou-o”, assim também como Jesus o tocará, logo, também Ele quebra a Lei. A outra interpretação para a “irritação” de Jesus é que o que estava acontecendo ali contraria a vontade de Jesus *naquele momento*, naquele contexto de não-revelação plena da sua missão e do seu caráter messiânico, Ele não queria ser manifestado ainda como “O Messias” e Filho de Deus (vrs. 34.43.44). Já o “compadecido” ou “movido de compaixão” dá outro tom: Jesus padece junto com aquele leproso ao vê-lo jogado aos seus pés, pedindo, rogando sua purificação. Esse “padecer junto com” o leproso, leva Jesus a realizar a purificação, ainda que contrariado, pois sabia que aquele sinal não ficaria sem “propaganda” como podemos ver no final do texto.

          Após a purificação, Jesus ordena ao purificado que vá apresentar-se ao sacerdote para cumprir o complicado rito de purificação segundo a Lei Mosaica (Lv 14) “para que lhe sirva de prova”, “para servir de testemunho ao povo” (v. 44). Essa tensão entre o silêncio ordenado e a prova/testemunho é típico deste Evangelho que revela progressivamente Jesus como “O Messias”. A imposição do silêncio nunca é respeitada, nos revela o evangelista, como que querendo nos dizer que não pode ser contida, silenciada, a manifestação do poder de Deus.

          O purificado torna-se, assim, um proto-proclamador da “boa notícia”, da “boa nova”, carregando em si mesmo, na sua carne, a “prova” desse Reino de Deus que já está instalado no meio do Povo de Israel. Se o testemunho ao sacerdote vai reintegrá-lo à sociedade dos vivos, o testemunho da sua purificação realizada por Jesus vai fazê-lo pregador/anunciador do Evangelho: Emanuel é real e chegou!

          A Era Messiânica é um era (para além dos seus contornos políticos conforme o pensamento deles) de curas, libertações, “shalom” no sentido holístico da palavra. Logo, “Era de Inclusão”, de ressurreição dos mortos e sua lógica reintegração – “vida e vida em abundância!” – entre os vivos, na sociedade civil e *religiosa*. Purificar um leproso, afirmamos acima, equivale à ressurreição e as consequências disso é seu pleno retorno à vida (familiar, civil, religiosa).



          Para nós fica a lição: o Evangelho “ressuscita mortos” existenciais. Quem são hoje, para além dos reais doentes assolados pela Hanseníase, os leprosos? Quem são hoje os “intocáveis” sociais e religiosos? Quem são os mortos? Essa reflexão, se levada à sério, nos levará aos marginalizados, excluídos de toda ordem, párias sociais (que conhecemos e sabemos MUITO BEM quem são) e a lógica de tudo nos leva a certeza que o Evangelho é Boa Nova para o hoje, o aqui e o agora. São essas pessoas os alvos (ou deveriam ser) da proclamação do Evangelho pela Igreja. Logo, a pergunta legítima que deve ser feita é: A Igreja tem nessas pessoas seus alvos? São elas atingidas por esse Evangelho pregado todos os domingos nos nossos templos? Estamos realizando a missão de ressuscitar esses mortos existenciais e reintegrá-los à vida e vida plena e abundante? Se a resposta é “não”, estamos em rota de colisão com tudo o que nos é revelado pelos quatro evangelistas; mais que isso, não estamos cumprindo a missão que o próprio Senhor e Salvador – que dizemos confessar – nos ordenou!

          Por fim, mas o mais importante: se você que me lê é considerada uma pessoa “intocável” pela nossa sociedade, há uma Boa Nova! O Evangelho da Graça de Deus em Cristo Jesus ainda não está completamente morto, mas VIVE nas margens das igrejas do status quo, são as igrejas inclusivas que têm realizado a missão nos dias de hoje, conforme nos ordenou o Senhor da Igreja.

          Muitas pessoas já foram ressuscitadas e hoje, felizes, compõem essa multidão que tem alvoroçado o mundo e que já está presente entre nós! Há um lugar pra você entre nós! Você não precisa mais tomar sobre si e internalizar e viver o que essa sociedade que não vive na lógica da Graça, antes, nos esquemas excludentes (misoginia, homofobia, preconceito racial, de origem e todos os preconceitos já inventados ou a inventar)... Sim, há um povo que tem caminhado junto como Família no Senhor e que tem vivido e proclamado esse Evangelho que a ninguém exclui, antes, ressuscita e reintegra TODAS as pessoas!


          Minha oração e meu desejo sincero é que você, considerada uma pessoa pária, uma pessoa já falecida, invisibilizada, seja atingida, alcançada por essa Graça proclamada por nós e, assim, tenha vida e vida em abundância! Amém!

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Introdução ao Evangelho de Marcos – William Hendriksen


I. Quem Escreveu Esse Evangelho?

De acordo com uma tradição unânime e numerosos escritos, o nome do autor ou colecionador desse evangelho era Marcos. Com base numa suposição razoável que indica que, sempre que esse nome é mencionado no Novo Testamento, refere-se sempre ao mesmo homem, ele é chamado de Marcos em Atos 15.39; Colossenses 4.10; Filemom 24.2; Timoteo4.11; 1 Pedro 5.13. Para ser exato, Marcos era o nome dele no contexto do mundo romano de fala grega. A sua forma grega era Markos, enquanto em latim era Marcus. Naturalmente que, pelo fato de ser judeu (Cl 4.10-11), Marcos era um apelido, ou o seu “outro” nome. O seu nome original, ou judeu, era João (At 12.12, 25; 15.37).

O Novo Testamento não nos dá uma biografia completa ou uma historia pessoal desse homem. A tradição a respeito dele, apesar de valiosa, não está de acordo em todos os pontos. Ela não nos dá uma resposta clara e completa para as seguintes questões: Que tipo de influência o apóstolo Pedro exerceu sobre ele por ocasião da composição do Evangelho? Essa influência teria sido controladora e decisiva, a ponto de Marcos vir a ser meramente um secretário do apóstolo, sendo então que a melhor maneira de expressar o que realmente aconteceu seria: “Pedro falava e Marcos escrevia”, ou essa influência (bem mais razoável!) foi moderada, tendo Marcos sido o autor real, sendo Pedro a sua fonte principal de informações, mas sem duvida não a única? Ele completou o seu livro enquanto Pedro ainda estava vivo, ou depois da sua morte? Será que ele foi o homem que carregava “um cântaro de água” (Mc 14.13)? Ele fez parte do grupo de setenta missionários (Lc 10.1)? Pelo fato do seu livro diferir dos outros, não tendo nem introdução, nem conclusão, pelo menos na forma como os outros evangelistas abordam a sequência dos fatos, será isso uma indicação de que tenha sofrido algum corte editorial? Marcos foi o fundador da igreja de Alexandria? Ele morreu como um mártir, ou de morte natural?

Os acontecimentos na vida de Marcos que podemos contar como certos, ou, pelo menos, como tendo um alto grau de probabilidade de terem acontecido, são os seguintes:

Embora não possamos afirmar com absoluta certeza, Marcos pode ser identificado como sendo o “jovem coberto por um lençol”, cuja história, muito interessante, é contada pelo próprio evangelista (Mc 14.51,52). Era a noite que antecedeu a crucificação. Jesus e os seus discípulos estavam saindo do Cenáculo. O aposento no qual Jesus celebrou a páscoa com os seus discípulos, seria parte da casa que Maria, a mãe de Marcos, tinha, e onde ele provavelmente morava? Se era, é possível que o “jovem”, que já deveria estar dormindo, pois a hora era avançada, tivesse despertado. Será que já tinha se rendido ao Senhor? Embora não estejamos certos disso, ele sentiu uma compulsão interior que o impulsionou a acompanhar Jesus. Pegando um lençol, e jogando- o sobre o seu corpo, correu para fora da casa, com a intenção de seguir o Mestre. A polícia do templo o cercou. No entanto, ele conseguiu escapar, deixando o seu lençol nas mãos dos que o queriam prender (Cf. Gn 39.12). Se essa reconstrução não parecer tão forçada, ela nos levara a concluir que, mesmo sendo jovem, Marcos, como sua mãe, era um dos “seguidores” de Cristo, apesar de não ser um dos Doze, e de não ter tido nenhuma conversação pessoal com Jesus. Em concordância com muitos outros estudiosos, nós datamos o incidente relatado em Marcos 14.51, 52, como tendo acontecido no inicio de abril do ano 30 da era cristã.

Jesus, não querendo deixar os discípulos sem um líder, um pouco antes de partir da terra para o céu, indicou o apóstolo Pedro para executar essa função. No dia de Pentecoste desse mesmo ano, Deus usou a poderosa mensagem de Pedro para trazer mais de três mil “ovelhas” para o rebanho (At 2.41). E possível que a pregação, de Pedro tenha exercido uma poderosa influência sobre Joao Marcos (Veja lPe 5.13).

Entre os anos 30 e 44 há um grande lapso de tempo e pouca informação. O que aconteceu com Marcos não é descrito nas Escrituras. O próximo incidente, que pode muito bem ter sido de grande relevância para João Marcos, é mencionado em Atos 12.12-17. A data provável e o ano 44 d.C. Nele, Pedro, depois de ser libertado da prisão de uma forma miraculosa, “resolveu ir a casa de Maria, mãe de João, cognominado Marcos, onde muitas pessoas estavam congregadas e oravam” (At 12.12). Essa Maria, que deve ser distinguida de Maria, mãe de Jesus, Maria Madalena, Maria de Betânia, e Maria, a mãe de Tiago, era uma mulher de recursos. Sua casa tinha uma varanda ou vestíbulo, e também um cenáculo, suficientemente amplo para acomodar um grupo grande de pessoas. Ela tinha pelo menos uma criada, cujo nome era Rode. Maria não era somente rica, mas também generosa e completamente devotada à causa de Cristo, sempre disposta a abrir sua casa, todas as vezes que a comunidade cristã precisava usá-la. Era de uma mãe assim que João Marcos era filho. Mas será que existe algum modo de sabermos com certeza que ele estava em Jerusalém durante esses dias? Não totalmente, apesar de isso ser uma grande possibilidade, pois, conforme encontramos registrado em Atos 12.25, Paulo e Barnabé, não muito tempo depois desses fatos, retornaram de Jerusalém para Antioquia “levando também consigo a João, apelidado Marcos”. Assumindo, então, que Marcos estava em Jerusalém, por ocasião dos acontecimentos relatados em Atos 12.12-17, a libertação maravilhosa de Pedro da prisão, deve ter causado uma forte impressão nesse homem jovem. Por causa da clara declaração bíblica, que informa que “muitas” pessoas estavam reunidas na casa de sua mãe, podemos afirmar, com segurança, que ele estava familiarizado com vários dos testemunhos iniciais dos acontecimentos centralizados em Jesus. Como já indicado anteriormente, não temos como saber a extensão do seu relacionamento com Jesus. A “tradição” inicial da igreja não oferece ajuda quanto a isso. Depois do ano 44, não existe, por vários anos, nenhuma evidencia sólida e unificada de qualquer conexão próxima entre Marcos e Pedro. Já perto do fim da vida do apóstolo, a evidência reaparece. Por um pouco, no entanto, deveremos deixar Marcos, para voltar a ele mais adiante.

Também não se encontra nenhuma biografia de Pedro, mesmo sendo ele um apóstolo muito influente. No entanto, vários episódios de sua vida são relatados nos Evangelhos e no livro de Atos. Os que são mencionados em Atos 1 -5 aconteceram em Jerusalém, provavelmente numa sucessão muito próxima, entre os anos 30 e 32 (inclusive). Por volta do ano 37, Paulo, que havia se convertido três anos antes, fez uma visita a Pedro, na cidade de Jerusalém (G1 1.18). Por esses dias, os apóstolos enviaram Pedro e João a Samaria, onde eles fortaleceram a fé dos convertidos, e repreenderam a Simão, o mágico. Depois disso, eles retomaram para Jerusalém (At 8.14-25). Essa viagem foi seguida imediatamente por visitas feitas por Pedro as cidades de Lida e Jope (At 9.32-43). Atos 10 registra a missão muito importante de Pedro a Cesaréia, onde os seus olhos foram abertos para entender a amplitude da misericórdia divina. Ao retornar para Jerusalém, Pedro defende a sua conduta em Cesaréia, onde “entrou na casa de incircuncisos e comeu com eles” (At 11.1-18). O reinado do Imperador Cláudio (41-54) não é mencionado senão em Atos 11.28. Isso pode muito bem indicar que a visita de Pedro a Cesaréia, e o seu retomo a Jerusalém, não ultrapassou o final do ano 41. O próximo fato registrado sobre a vida do apóstolo foi a sua prisão e seu livramento miraculoso, já mencionados anteriormente. Esse incidente também traz consigo uma indicação de tempo. Se a inferência é correta, esse incidente, que, como vimos, pode muito bem ter influenciado profundamente a vida de Marcos, deve ter ocorrido um pouco antes da morte do rei Herodes Agripa I, no ano de 44 (At 12.23). Há mais uma referência a Pedro no livro de Atos (15.7- 11). Essa passagem resume o discurso dele no Sínodo de Jerusalém, que, geralmente, é datado por volta do ano 50. De Jerusalém, Pedro deve ter viajado para Antioquia da Síria, um pouco antes de Paulo iniciar a sua segunda viagem missionaria, datada entre os anos 50/51 — 53/54. Foi nessa ocasião e nesse lugar que Pedro recebeu uma “correção” da parte de Paulo (G1 2.11-21). Será que ele permaneceu na Ásia Menor por um pouco mais de tempo, ou retomou aquela região mais tarde? O que se nota, conforme 1ª Pedro 1.1, é que ele tinha um grande interesse pelas igrejas dessa área geográfica.

As referências a Pedro no livro de Atos cessam completamente depois do capitulo 15. De fato, esta também é, de modo geral, uma verdade com relação ao restante do Novo Testamento. As informações de que alguns cristãos estavam criando partidos na igreja, e agrupando-se ao redor dos que admiravam Cefas (Pedro), enquanto outros ligavam- se a Paulo (1Co 1.22, 23); que Pedro tinha o habito de levar a sua esposa com ele em suas viagens missionarias (1Co 9.5); e que Jesus, logo apos ressuscitar, apareceu a ele (1Co 15.5), não anulam o fato de que o Novo Testamento não oferece nenhuma indicação do lugar em que o apóstolo se encontrava, a partir dos anos 50-51, até o final de sua vida, possivelmente no ano 64 . O próprio Senhor Jesus tinha predito a maneira pela qual ele selaria o seu testemunho com o martírio (Jo 21.18,19; cf. 2Pe 1.14; I Clemente V; Tertuliano -Antidotefor the Scorpiom’s Sting XV; Orígenes –Against Celsus II. XLV; e Eusébio - História Eclesiástica Ill.i).

Diante do exposto acima, a teoria de que Pedro reinou em Roma, como papa, por 25 anos, entre os anos 42 e 67, não tem apoio escriturístico. De fato, se essa tradição, mantida pela igreja de Roma, fosse verdadeira, Pedro estaria no ápice do seu reinado quando Paulo escreveu a sua carta aos Romanos, por volta do ano 58. No entanto, em sua longa lista de saudações, endereçada aos crentes daquela igreja (Rm 16.3-15), Paulo não menciona o nome de Pedro em nenhum momento!

Com relação à presença de Pedro em Roma, não há nenhuma razão para nos inclinarmos a nenhum dos extremos. De um lado, deveria ser abandonada a ideia dos seus 25 anos de episcopado e a descoberta e identificação do que dizem ter sido o seu túmulo. Por outro lado, igualmente deveriam ser abandonadas as afirmações de que ele nunca teria estado em Roma. A respeito dessa última parte, a conclusão a que algumas pessoas têm chegado, de que, de acordo com Romanos 15.20, onde Paulo diz: “esforçando-me, deste modo, por pregar o evangelho, não onde Cristo já fora anunciado, para não edificar sobre fundamento alheio”, Pedro nunca teria visitado Roma, pelo menos não até o ano de 58, não tem base e deve ser abandonada. A igreja em Roma havia sido estabelecida muito tempo antes, como a própria epístola parece indicar. Ela, provavelmente, teve sua origem ligada ao retomo para casa dos “romanos que aqui residem”, e que tinham ouvido o sermão pregado por Pedro, no dia de Pentecoste, em Jerusalém (At 2.10, 14ss). Já o texto de Romanos 15.20, provavelmente indica a intenção de Paulo de chegar até a Espanha, onde o evangelho ainda não havia sido pregado (Rm 15.24). Assim, Pedro, a quem Jesus tinha dado uma posição muito importante na tarefa de edificação da sua igreja (Mt 16.18), pode muito bem ter feito uma visita a Roma, especialmente diante do fato de que existia uma comunidade de cristãos judeus lá. Como já observamos, existem vários anos do ministério de Pedro que não recebem qualquer menção nos textos do Novo Testamento/Nós não sabemos onde ele estava durante os anos de 33-36,42-43, 45-49 e 52-62. Parece claro, à luz de Colossenses 4.11 (cf. Fm 23-24), que ele não estava em Roma durante os anos do primeiro encarceramento romano de Paulo (provavelmente entre os anos 60-62), pois, se ali estivesse, Paulo não teria escrito essas palavras. Mas isso não o impede de ter estado lá, a partir do ano 33, para fortalecer a igreja de Roma com a sua presença, orações, pregação e visão. Isso nos conduz, finalmente, para o tempo do final da vida de Pedro e Paulo, quando as informações das relações próximas entre Pedro e Marcos, e Paulo e Marcos, são, uma vez mais, tomadas evidentes. Falaremos disso logo adiante.

Depois do ano 44, nós encontramos Marcos, não mais na companhia de Pedro, mas de Barnabé e Paulo. Devemos nos lembrar que esses dois homens, enviados pela igreja numa viagem de ajuda a igreja de Jerusalém, levam Marcos com eles a Antioquia da Síria. Quando a igreja, impulsionada pelo Espirito Santo, comissionou Barnabé e Paulo para começarem o que foi, subsequentemente, conhecido como a primeira viagem missionária de Paulo (At 13.1-13), eles decidiram levar consigo a Marcos, como seu “ajudante” (13.5). É clara a posição de subordinação de Marcos em relação aos outros dois. Ele era um auxiliar. Não sabemos, no entanto, quais eram as suas responsabilidades. Várias tarefas ocorrem à minha mente, tais como a de ser um tipo de gerente comercial, e, portanto, responsável por arranjar os detalhes pertinentes ao plano de viagem, fazendo provisão de comida e dormida, enviando mensagens, e talvez, acima de tudo, servindo como um catequista, ou seja, continuando a partir do ponto em que os outros dois paravam - contando a historia de Cristo na terra, e o seu final triunfante, reforçando as lições e os ensinos da vida de Jesus; perguntando e respondendo as questões, etc. Se Marcos, por esse tempo, já tinha escrito o seu Evangelho, ele era, certamente, a pessoa certa, no lugar certo, para exercer a função de professor ou catequista.

Haviam outras razoes que pareciam logicamente indicar que ele era a pessoa certa para a tarefa de ajudante. Não era a sua mãe, Maria, uma mulher sempre hospitaleira? Não é natural, para nós, imaginarmos que Barnabé e Paulo, em sua obra caritativa em Jerusalém (At 11.29,30; cf. 12.25), tenham se hospedado em sua casa, e convivido tanto com a mãe quanto com o filho? Além do mais, não era Barnabé um primo mais velho de Marcos (Cl 4.10)? Não é possível que Marcos e sua família (na época que o seu pai ainda era vivo) tivessem mudado de Chipre para Jerusalém, seguindo o exemplo da família do seu primo Barnabé (At 4.36, 37)? E ainda, não era ele, João Marcos, uma pessoa que falava mais de uma língua, assim como os seus superiores?

A partir de Selêucia, que era uma cidade portuária, banhada também pelo rio Orontes (At 13.4), os três missionários navegaram para Chipre. Depois de pregarem o evangelho na sinagoga de Salamina, eles atravessaram toda a ilha, indo até a cidade de Pafos. Dali, foram para a Ásia Menor, mas não sem antes terem amaldiçoado com cegueira um falso profeta, também conhecido por seus atos de magia, chamado Barjesus, que tentou, sem sucesso, impedir que o procônsul Sérgio Paulo aceitasse o evangelho. Nesse ponto da jornada, algumas coisas inesperadas aconteceram: quando chegaram em Perge da Panfília, Marcos, apartando-se deles, voltou para Jerusalém (At 13.13; cf. 15.36- 41)! A provável data foi o ano de 47. A razão da deserção de Marcos não é explicada. Será que ele ficou aborrecido pelo fato do seu primo ter perdido a liderança do grupo, conforme se pode ver pela mudança da posição dos nomes dos dois - de “Barnabé e Saulo” (At 11.30; 12.25; 13.2,7), para “Saulo, também chamado Paulo” (At 13.9), dai para “Paulo” (At 13.16), e, finalmente, “Paulo e Barnabé” (At 13.43,46, 50, etc.)? Ele estava com saudades de sua casa e preocupado com a segurança de sua mãe? Ou será que a razão foi o seu desprazer com a oferta de salvação sendo feita, na mesma base, para judeus e gentios? Todas essas respostas foram sugeridas. Ou terá sido, talvez, que ele titubeou diante das dificuldades da jornada missionária por uma terra estranha, montanhosa e cheia de perigos? (cf. 2 Co 11.26). Para este autor, se alguma dessas respostas parece possível, a última é a mais razoável. De acordo com Atos 15.38, Paulo considerava Marcos um desertor, cujo coração indesculpavelmente amoleceu, diante do “trabalho” que tinha para realizar. E o texto de Atos 15.40 parece indicar que, no caso da disputa em relação a Marcos, a igreja assumiu o lado de Paulo. De qualquer maneira, o relato inspirado não dá a impressão de que Marcos estivesse totalmente isento de qualquer culpa, ao deixar Paulo e Barnabé e retomar para casa.

Quando, algum tempo depois, após completar a primeira viagem missionária e ter participado do Concilio de Jerusalém, Barnabé tentou levar Marcos para a segunda viagem, Paulo, enfaticamente, recusou. Isso gerou “tal desavença, que vieram a separar-se. Então, Barnabé, levando consigo a Marcos, navegou para Chipre (At 15.39). Depois de Atos 15.39, Lucas não menciona mais o nome de Marcos, e nem o do “amado Barnabé (At 15.25).

Isso quer dizer, então, que, de acordo com o que diz respeito ao livro de Atos, e de fato, ao Novo Testamento como um todo, nenhuma informação definitiva é encontrada na Bíblia, no que diz respeito aos dois longos períodos da vida de Marcos, que vão do ano 31 ao 43, e do ano 52 ao 59. Simplesmente não sabemos onde ele estava, ou o que estava fazendo. Os acontecimentos que mencionamos brevemente pertencem inteiramente aos anos 30, 44-47 e 50-51. E, mesmo assim, as únicas referências, até aqui, são Mc 14.51-52 (provavelmente); Atos 12.12,25; 13.5, 13.15.37-39.

Será que podemos encontrar alguma informação confiável na “tradição” extracanônica, a respeito de Barnabé e Marcos, após terem chegado na ilha de Chipre? Realmente não, pois o livro Os Atos de Barnabé, atribuído a Marcos (!), um escrito de uma data muito posterior, é apócrifo. De acordo com o que está registrado nele, Marcos plantou a bandeira de Cristo em Alexandria, logo depois de Barnabé ter sido martirizado em Chipre. Outras fontes, catalogadas na mesma categoria do livro citado acima, afirmam que ele tomou-se o primeiro bispo da igreja de Alexandria - uma prática muito comum - , e permaneceu nessa posição até o oitavo ano do reinado de Nero. Como Nero reinou entre os anos 54 e 68, o oitavo ano seria 61. Por outro lado, Clemente e Orígenes, famosos pais alexandrinos, não disseram nada a respeito de qualquer atividade, ou mesmo da presença, de Marcos em Alexandria.
Retornando agora às Escrituras, a nossa única fonte realmente confiável, tudo o que se infere com respeito a Barnabé - isto é, em acréscimo ao que pode se apreender dos primeiros relatos que cobrem os anos iniciais (veja Atos, capítulos 4, 9, 11-15 e Gálatas 2) -, e que, quando Paulo escreveu 1ª Coríntios 9.6, talvez por volta do ano 57, ele ainda estava vivo. O nome “Barnabé” também é mencionado em Colossenses 4.10, mas somente para indicar sua relação de parentesco com Marcos: os dois eram primos.

Por volta da mesma época mencionada acima (o oitavo ano do reinado de Nero), ou talvez um ano mais tarde, Paulo escreve as epístolas conhecidas como Colossenses e Filemom. Marcos é uma das pessoas que se encontram com ele, tendo, por aquela época, restabelecido completamente sua credibilidade junto a Paulo. O apóstolo, durante o seu primeiro período como prisioneiro em Roma, comenta a respeito daqueles que eram “da circuncisão”, isto é, que eram judeus, que estavam com ele, dizendo o seguinte: “Saúda-vos Aristarco, prisioneiro comigo, e Marcos, primo de Barnabé... e Jesus, conhecido por Justo, os quais são os únicos da circuncisão que cooperam pessoalmente comigo pelo reino de Deus. Eles têm sido o meu lenitivo” (Cl 4.10-11; cf. Fm 24). Marcos, que por um tempo foi, em certo sentido, rejeitado por Paulo, agora torna-se em um conforto para ele, bem como um cooperador valioso, amado e altamente considerado.

Quando Paulo é libertado da prisão, e passa a viajar pelas congregações que estão sob sua influência espiritual; Pedro encontra-se em Roma. Ele esta escrevendo a carta que veio a ser conhecida como a “Primeira Epistola de Pedro”, endereçando-a aos “eleitos que são forasteiros da Dispersão no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia” (lPe 1.1). Na saudação final, ele diz para eles: “Aquela (a igreja) que se encontra em Babilônia, também eleita, vos saúda, como igualmente meu filho Marcos” (lPe 5.13). A data provavel é o ano de 63. Ela não pode ter sido além de 64, pois, provavelmente, foi na segunda metade desse ano que Pedro se tomou uma vitima da ira de Nero. A expressão que ele usa para referir-se a Marcos - meu filho - parece indicar um relacionamento caloroso e paternal de longa duração. E perfeitamente possível que, mesmo antes de Pedro ter escrito isso, ele tenha tido contatos frequentes com João Marcos. É igualmente verdade que Pedro sabia, por experiência, que havia uma esperança para aqueles que tinham, de uma maneira ou de outra, sucumbido diante da tentação de ser desleal a Cristo e sua causa. Parece claro, então, que a graça soberana, fazendo uso da “tutoria bondosa de Barnabé” (expressão cunhada por F.F. Bruce), da disciplina férrea de Paulo, e da influencia poderosa de Pedro, tinha triunfado na vida de Marcos.

Entretanto, está se tornando claro que, por vários anos – provavelmente 61 a 63, ou 64, Marcos desenvolve o seu ministério na capital do mundo. Depois do martírio de Pedro, ele parece ter-se tornado, uma vez mais, um assistente de Paulo. Atendendo a um pedido de Paulo, e em cooperação com Timóteo, ele faz uma viagem pelas igrejas da Ásia Menor. Quando Paulo, por volta do ano 66, está escrevendo a sua íltima carta, um pouco antes de morrer, Marcos ainda se encontra na sua viagem. Assim, Paulo escreve para Timóteo, que nessa época estava, provavelmente, em Éfeso, e diz o seguinte: “Toma contigo a Marcos e traze-o, pois me é útil para o ministério” (2Tm 4.11b). Em contraste com o exemplo de Demas, que era o homem que o abandonara (2Tm 4.10 Marcos retoma.
Quem, então, era Marcos? Ele não era um grande líder, mas sim um seguidor. Não era um construtor, mas sim um ajudador. Não era alguém sem defeitos, mas sim uma pessoa que lutou contra suas fraquezas e as vencem Não era alguém caseiro, mas sim um grande viajante. Não era um homem de muita contemplação, mas sim, um homem de ação, que se deleitava em representar Cristo agindo para a salvação dos pecadores, para a gloria de Deus.

Apesar de ser verdade que Marcos escreveu o menor Evangelho, e que o mesmo nunca alcançou a mesma popularidade dos outros três, nem foi citado com a mesma frequência dos outros, nós precisamos tomar cuidado para não desmerecê-lo. Na Igreja Primitiva, tornou-se comum associar os quatro Evangelhos com as quatro faces dos querubins, descritas em Ezequiel 1.6.10; cf. Apocalipse 4.7 - homem, leão, bezerro e águia. O símbolo “homem” era, com frequência, embora nem sempre, associado com o Evangelho de Mateus. O “bezerro”, com Lucas. A “águia”, com João. No caso de Marcos, as autoridades no assunto não concordavam entre si. Enquanto alguns não conseguissem ver nesse Evangelho um quadro verdadeiro de Cristo, outros, ao lê-lo, enxergavam nele o voo poderoso da águia, ou o poderoso leão, ou mesmo a face de um homem manso e humilde, e alguns viam o novilho sacrificial. Em certo sentido, todos estavam certos!

A evidência em apoio a afirmação de que foi Marcos quem escreveu o menor dos Evangelhos, e a seguinte:

Eusébio, em sua História Eclesiástica, II.XIV.6 - XV.2, escrita no começo do século 4º, declara: “Na luta contra ele (isto é, Simão, o magico), durante o reino de Claudius (51-54 d.C.), a Providência do universo, em imensa bondade e amor para com os homens, guiou para Roma, para se opor ao grande corruptor da vida (isto é, contra Simão, o mágico, que tinha se mudado para Roma, onde uma estátua fora construída em sua homenagem), o grande e poderoso Pedro, que, por causa de suas virtudes, era o líder de todos os apóstolos. E ele, como um nobre general de Deus, vestido da armadura divina, levou a dispendiosa mercadoria da luz, do Oriente para o Ocidente, pregando o Evangelho da luz, que é a palavra que salva a alma e proclama o reino dos céus.

“Dessa maneira, quando a palavra divina fez morada entre eles, não só o poder de Simão (o mágico) se extinguiu e imediatamente pereceu, como também o próprio feiticeiro.

“E a luz da religião que brilhou sobre eles foi tão intensa, que, não satisfeitos em simplesmente' ouvir o ensino da proclamação divina (Querigma), mas com todo tipo de suplica, pediram a Marcos, ao verem que ele era um seguidor de Pedro, para deixar com eles, em forma escrita, um relato dos ensinos transmitidos oralmente. A insistência deles foi tão forte, que prevaleceram sobre o homem, e, assim, tornaram- se responsáveis pela Escritura que é conhecida como O Evangelho de Marcos. E eles dizem que o apóstolo, sabendo por revelação do Espirito o que tinha sido feito, alegrou-se com o seu zelo, ratificando a Escritura para estudo nas igrejas. Clemente cita essa história no livro sexto da Hypotyposeis, e Pápias, bispo de Hierápolis, a confirma. Ele também diz que Pedro menciona Marcos em sua primeira epístola, que teria sido escrita em Roma. E eles dizem que o próprio Pedro indica isso, ao se referir à cidade, metaforicamente, como Babilônia, nas palavras (lPe 5.13): ‘Aquela (a igreja) que se encontra em Babilônia, também eleita, vos saúda, como igualmente meu filho Marcos’”.

Tendo vivido um pouco antes, Orígenes (ativo entre 210-250) e citado por Eusébio, op.cit., VI.XXV.5, como segue: “Segundo, o (Evangelho) de Marcos, que o escreveu de acordo com as instruções que recebeu de Pedro, e a quem Pedro reconhece como seu filho, diz... (segue a citação de lPe 5.13)”.

Nós podemos ir ainda mais longe, citando Clemente de Alexandria (ativo entre 190-200), que foi mestre de Orígenes. Da sua obra, Hypotyposeis, Eusébio VI.XIV.6-7, cita as seguintes palavras: “A oportunidade para escrever o Evangelho segundo Marcos surgiu quando, depois de Pedro ter pregado publicamente a palavra em Roma, e pelo Espirito, ter proclamado o Evangelho, os que se achavam presentes, sendo muitos, insistiram com Marcos, por ele ter estado com o apóstolo por muito tempo e relembrar o que ele tinha ensinado, para que escrevesse o que tinha sido falado. Ele assim o fez, e distribuiu o Evangelho para aqueles que o pediram. Quando Pedro soube disso, nem o proibiu, nem o promoveu”.

Tertuliano, em seu tratado Against Marcion, IV.5, diz: “O Evangelho publicado por Marcos pode bem ser considerado de Pedro, de quem Marcos era o intérprete”.
Irineu, sendo alguns anos mais velho, mas ainda por um longo tempo um contemporâneo de Clemente de Alexandria e Tertuliano, escreve em seu livro Against Heresies III.i.1 (citado, em parte, por Eusébio, Op. Cit., V.VIII.3): “... Pedro e Paulo foram para o Ocidente, pregando e fundando a igreja em Roma. Após a sua partida (morte? Mudança para um outro lugar?), Marcos, o discípulo e intérprete de Pedro, escreveu do próprio punho, e passou para n´ss, em forma escrita, o que Pedro havia pregado”.

O Fragmento Muratoriano, uma lista incompleta dos livros do Novo Testamento, escrito em latim pobre, e derivando o seu nome do Cardeal L.A. Muratori (1672-1750), que o descobriu na Biblioteca Ambrosiana, em Milão, pode ser datado como sendo do período 180-200 d.C. Ele é de grande importância para a historia do cânon do Novo Testamento. Apesar de ser, lamentavelmente, apenas um “fragmento”, e assim incompleto, e, em seu levantamento dos livros do Novo Testamento, ter perdido tudo o que continha, originalmente, do Evangelho de Mateus, ele, definitivamente, subtende e reconhece a existência dos quatro Evangelhos. Com respeito ao segundo Evangelho (Marcos), o fragmento que existe, e que agora marca o começo da lista diz: “ .. .a qual, sem dúvida, ele estava presente, e agora o coloca”. Devido a todos os outros testemunhos (Eusébio, Orígenes, Clemente de Alexandria, Tertuliano, Irineu, etc.), seria certamente imprudente afirmar que o autor dessa lista de livros não estaria se referindo ao Evangelho segundo Marcos.

Por volta da metade do século II, Justino Mártir escreveu o seu Dialogue with Trypho CVI, onde ele diz: “E, quando se diz que ele mudou o nome de um dos apóstolos para Pedro, bem como o de dois irmãos para Boanerges, que quer dizer filhos do trovão,...” Essa menção claramente indica que Justino havia lido o Evangelho de Marcos, pois o termo Boanerges só aparece ali, e os nomes de Simão, Tiago e João são mencionados em sequência imediata (Mc 3.16,17).

Provavelmente, já em 125 d.C., os quatro Evangelho foram postos juntos, em uma coleção, para serem usados nas igrejas. Nessa ocasião, foram dados nomes a eles. “Evangelho segundo Marcos”, foi o titulo recebido pelo menor deles.

Pápias, um discípulo do “presbítero João” - com toda probabilidade o apóstolo João - , parece ter nascido entre os anos 50 e 60 d.C., e morrido por volta do ano 150. Ao fazer suas pesquisas sobre a jornada de Cristo na terra, ele estava muito mais interessado em ouvir a “viva voz”, ou seja, o testemunho oral daqueles primeiros crentes que ainda estavam vivos, do que nos relatos escritos (veja Eusébio, Op. Cit., III.XXXIX. 1 -4). Baseado, portanto, naquilo que Pápias afirma ter aprendido de João, Eusébio o cita dizendo: “Quando Marcos tomou-se o intérprete de Pedro, ele escreveu, com exatidão, apesar de que não em forma ordenada, tudo o que lembrava do que o Senhor tinha dito ou feito, apesar de que ele não tinha ouvido o Senhor, nem o tinha seguido, mas, mais tarde, como eu disse, ele seguiu a Pedro, que usou o mesmo ensino para suprir as necessidades (de seus ouvintes), mas não compôs um relato ordenado das palavras do Senhor. Marcos, portanto, não cometeu nenhum erro (ou: não fez nada de errado) por ter escrito certas coisas conforme as recordava. Ele dedicou uma atenção extraordinariamente cuidadosa a um aspecto: não deixar de fora nada do que ouviu, nem falsificar coisa alguma”.

Não há, portanto, nenhuma justificativa para se negar o veredito da tradição, isto é, que foi João Marcos, primo de Barnabé, o autor do menor dos quatro Evangelhos. As evidências podem ser encontrada são longo de vários séculos, desde os dias de Pápias, até os de Eusébio. Elas estão presentes em todas as regiões, seja na Ásia, África ou Europa. Elas vêm do Oriente (Pápias de Hierápolis, Eusébio de Cesaréia), do Sul (Clemente de Alexandria, Tertuliano de Cartago) e do Ocidente (Justino Mártir e o autor do Fragmento Muratoriano, de Roma). Algumas vezes duas regiões são representadas por uma testemunha: o Oriente e o Ocidente (Irineu da Ásia Menor, Roma e Lião); o Sul e o Oriente (Orígenes de Alexandria e Cesaréia). A ortodoxia e a heterodoxia, os textos gregos antigos e as versões mais recentes, todos adicionam o seu peso a mesma conclusão.

Apesar de existirem pontos com respeito aos quais a tradição varia (por exemplo, a função exata de Pedro em relação a composição do Evangelho de Marcos e a data em que o mesmo foi escrito), todas as testemunhas concordam em que a pregação de Pedro, em Roma, foi a base para a produção dessa obra. É razoável imaginar que Marcos tenha consultado muitas fontes, tanto orais como escritas, mas permanece o fato de que não temos nenhuma razão para rejeitar a tradição de que ele foi, essencialmente, o “intérprete de Pedro”. Além do mais, o conteúdo do livro confirma essa conclusão. Os pecados e as fraquezas de Pedro são registrados fielmente, mas o louvor que recebe em outros lugares (por exemplo, em Mateus 16.17), não é mencionado em Marcos. Há também ocasiões em que Marcos usa o nome de Pedro (5.37; 11.21; 16.7), enquanto Mateus não o faz. O Evangelho de Marcos, além de tudo, é caracterizado por uma certa rapidez e vivacidade de movimento, e uma atenção aos detalhes que, facilmente, podem ser associados com o ativismo, a vivacidade e o entusiasmo de Pedro. Veja, por exemplo, 1.16-31.35-38; 5.1-20; 9.14-29; 14.27-42.54.66-72. Em 1.36, os discípulos são citados como ”Simão e os que com ele estavam”.

Se não existisse outro Evangelho além do de Marcos, seria impossível se chegar à conclusão de que ele tinha sido escrito como um resultado (pelo menos, em grande parte) da pregação de Pedro. Por outro lado, sobre a base da tradição que nos diz que essa foi realmente a razão pela qual ele foi escrito, é possível, como temos mostrado, encontrar no próprio Evangelho evidências válidas que apoiam esta conclusão.


II. Quando e Onde Ele Foi Escrito?

Vamos, primeiro, considerar o “Onde”, e, depois, o “Quando”.

O que dissemos com respeito a relação do Evangelho de Marcos com Pedro, aplica-se também em relação as suas conexões com Roma. Aqui também, esse Evangelho, apesar de não indicar ou fornecer, em nenhum lugar, o seu local de origem, confirma as declarações de Eusébio, Clemente de Alexandria, Irineu, etc, de que ele foi escrito em Roma e para os romanos.

O fato de que foi escrito para uma audiência não-judaica parece óbvio, diante da observação de que termos e expressões como Boanerges (3.17), talita cumi (5.41), Corbã (7.11), Efatá (7.34) e Abba (14.36), são traduzidas para o grego por Marcos. Além disso, o autor explica os costumes judaicos (7.3,4; 14.12; 15.42). E, por causa da sua origem em Roma, observe que, às vezes, Marcos substitui o grego por latim. Ele menciona que as duas “pequenas moedas” de cobre, correspondiam a um quadrante (12.42), e que o aulé (palácio) para onde os soldados levaram a Jesus, era o pretório (a residência oficial do governador - 15.16).

Marcos é, também, o único Evangelho que nos informa (15.21) que Simão Cireneu era o pai de Alexandre e de Rufo, que eram pessoas evidentemente muito conhecidas em Roma (veja Rm 16.13).
Tudo isso deve ser acrescentado ao fato de que a maneira pela qual Marcos descreve Cristo, como um Rei ativo, energético, que move-se rapidamente, conquistador; vitorioso sobre as forças destrutivas da natureza, da doença, dos demônios e mesmo da morte, parece ter sido de um interesse especial para os romanos, que eram um povo que, na sua busca por poder, tinham conquistado o mundo. Para eles, Marcos apresenta um Rei que ultrapassa todos os conquistadores da terra. Seu reino é muito mais amplo, seu exército é muito mais eficaz e o seu domínio é muito mais permanente do que qualquer coisa que tenha se originado na terra. Além do mais, suas vitórias são muito mais honrosas, porque ele permite que o conquistado compartilhe da gloria da conquista. O Rei de Marcos é o Rei-Salvador. Ele é o vitorioso que não se delicia com o sofrimento dos conquistados, mas sofre no lugar deles, criando as condições para o bem-estar eterno dos mesmos (10.45).

A questão mais difícil de responder é: Quando esse Evangelho foi escrito? É mais seguro dizer que ele foi composto dentro do período que começa quinze anos antes e quinze anos depois da metade do século I. Antes do ano 35, Marcos era muito jovem para assumir essa tarefa. Depois do ano 65, Pedro provavelmente já não estava vivo, e não poderia ter ratificado o livro “para estudo nas igrejas”.

Começando com a última parte do período em questão - por volta dos anos 50-65 - , já mostramos que Pedro e Paulo estavam juntos, em Roma, por volta do ano 63. Essa data, portanto, pareceria ser a ocasião ideal para a composição do Evangelho de Marcos. No entanto, essa data também tem suas dificuldades. O Evangelho de Marcos foi provavelmente escrito antes do de Mateus, e Mateus antes do de Lucas. O Evangelho de Lucas, por seu turno, foi seguido pelo Livro de Atos. A questão que pode ser levantada, é a de que, sobre a base dessa cronologia, uma parte dessa atividade literária não teria sido empurrada em demasia para a frente, talvez até mesmo para o período terrível da Guerra Judaica contra os romanos, acompanhada pela divisão amarga entre as várias facções judaicas. Nem Lucas, nem Atos, indicam que algo desse tipo estava ocorrendo quando esses livros foram escritos.
A data dos últimos anos da década de 50 também foi sugerida. Nosso resumo dos acontecimentos importantes da vida de Pedro e de Marcos nos mostra que, do ponto de vista escriturístico, não existe nenhuma objeção contra a possibilidade de Pedro e Marcos terem estado juntos em Roma durante algum período entre os anos 52 e 59 (com a exceção, conforme já indicamos, do ano 58, quando Pedro, claramente, estava ausente da cidade).

No entanto, a nossa atenção, nos últimos tempos, tem sido direcionada para a possibilidade de que, em nossa intenção de fixar a data do Evangelho de Marcos, devemos nos afastar da ideia de 50-65, e nos posicionarmos entre os anos 35-50, ou mais precisamente, entre os anos 40-50. As considerações que parecem favorecer essas datas são:

Primeiro, de acordo com as declarações de Eusébio, já mencionadas anteriormente, foi durante o reinado de Cláudio (41-54 d.C.) que a “Providencia do universo guiou para Roma... o grande e poderoso Pedro”, cujo “seguidor”, por nome de Marcos, a pedido dos “ouvintes de Pedro”, compôs um registro dos ensinos do apóstolo, que veio a ser conhecido como o Evangelho segundo Marcos.

Segundo, o apoio de muitos dos manuscritos unciais (com letras grandes e separadas) e cursivos (letras minúsculas interligadas), nos informam que o Evangelho de Marcos foi escrito dez ou doze anos após a ascensão de Cristo, o que coloca sua data entre os anos 39 e 42.

Terceiro, o pequeno fragmento de papiro, encontrado na caverna 7, próxima a Qunram, e decifrado pelo Padre O’Calligghan, um sacerdote espanhol, como sendo parte de Marcos 6.52,53, após analisado, indicou ter pertencido a material datado de cerca do ano 50. Portanto, esse fragmento parece apontar para uma data consideravelmente anterior ao dos anos 50, como a provável data para o Evangelho em questão. Assim, uma data ao redor do início do reinado de Cláudio não esta fora de questão. Além disso, como já demonstramos, Pedro e Marcos podem ter passado algum tempo juntos em Roma, durante esse período.

A descoberta e identificação do fragmento de papiro contendo a passagem de Marcos, despertou grande interesse entre os estudiosos do Novo Testamento. Os comentários vão do tipo: “nada mudou”, até o que diz que “as probabilidades matemáticas de que o Dr. O’Calligghan esteja correto, são astronômicas”. Gostaria especialmente de recomendar a leitura dos excelentes artigos escritos por William White, Jr., “O’Callighan’s Identifications: Confirmation and Its Consequences”, WTJ, 35 (Outono de 1972), pp. 15-20, e “Notes on the Papyrus Fragments from Cave 7 at Qunram”, WTJ, 35 (Inverno de 1973), pp. 221-226.

Conclusão: Quando o Evangelho de Marcos foi escrito? Resposta: Entre os anos 40 e 65, com o peso da evidência atual favorecendo a primeira parte desse período. Ainda é muito cedo para falar de modo mais definitivo. Conclusões precipitadas nunca são sabias (Is 28.16b).

A seguinte objeção pode ser levantada: “Mas, se ele foi escrito nessa data anterior, parece óbvio imaginar que Marcos, ao escrevê-lo, seria ainda um tanto imaturo espiritualmente, tendo em vista que o ato de sua deserção da companhia de Paulo e Barnabé somente ocorreu anos mais tarde. Será que essa situação não diminui nossa estimativa do valor do seu Evangelho?”

Ora, se aplicarmos essa critica ao Evangelho de Marcos, deveríamos fazer o mesmo com o resto das Escrituras. Portanto, temos de perguntar se estamos prontos para rejeitar os primeiros salmos de Davi, pelo fato de que os mesmos foram escritos anos antes de ele ter cometido pecado com Bate-Seba, do qual veio a se arrepender posteriormente. Será que devemos desconfiar do sermão poderoso e efetivo de Pedro pelo fato de que cerca de vinte anos depois de tê-lo pregado “foi repreendido” em Antioquia (G1 2.11-21)? Será que devemos rejeitar a epístola escrita pelo irmão do Senhor, pelo fato de seu autor ter confessado: “Porque todos tropeçamos em muitas coisas” (Tg 3.2)? Ou, quem sabe, deveríamos jogar pela janela o livro de Apocalipse, pelo fato de que, quando Joao recebeu suas visões, ele ainda estava cometendo erros em seu comportamento pessoal (Ap 19.10; 22.8)? Certamente que não! O que se aplica a todos os outros livros da Bíblia, também se aplica a Marcos: nos não atribuímos perfeição aos homens que os escreveram, mas sim atribuímos inspiração plena para os produtos que, debaixo da orientação do Espirito Santo, eles produziram.

Portanto, a porta deve ser deixada aberta para a possibilidade de que esse Evangelho tenha sido escrito durante a primeira parte do período contido entre os anos 40-65, com a ressalva de que essa data anterior também não é certa. Veja “O’Callighan’s Fragments: Our Earliest New Testament Texts?”, de P. Gamet, E.Q. XLV, N° 1 (janmar de 1973), pp. 6-12. Quando Marcos escreveu o seu livro? A resposta mais segura e:  “em alguma data durante o período de 40-65 d.C.”

III. Por que o Evangelho de Marcos Foi Escrito?

Como já mostramos (veja a primeira parte desta introdução), de acordo com a tradição, esse Evangelho foi escrito para satisfazer o pedido urgente do povo de Roma por um resumo dos ensinos de Pedro.

No entanto, isso não significa que as informações contidas nesse livro não deveriam ser compartilhadas com pessoas de fora dos limites da capital. Como se pode observar nos versículos 1.37; 10.45; 12.9; 13.10); e mesmo no 16.15 (qualquer que seja a sua autenticidade), esse Evangelho tinha por objetivo alcançar todo o mundo de fala grega: sua mensagem foi, é, e será significativa para todos.

Uma questão relacionada com este assunto é: Quando o escreveu, Marcos planejou meramente suprir as pessoas com informações, ou produzir transformações? Como alguns têm afirmado, o seu propósito era apenas o de registrar uma narração de eventos, ou, ao fazer isso, fornecer um incentivo para que vivessem uma vida para a glória de Deus? Ou, colocando essa questão de uma maneira diferente: Como Marcos via Jesus? Meramente como um personagem interessante, que gerou, por causa de suas obras maravilhosas, um grande interesse e fascínio, que ele tentou perpetuar, ao escrever o livro para satisfazer a curiosidade popular? Ou ele entendia que Jesus era, primeiro de tudo, o Rei-Salvador, conquistador e majestoso, para quem todas as pessoas deveriam se voltar, em fé humilde? Certamente que era assim que ele o via! Devemos sempre nos lembrar que Marcos era o “intérprete de Pedro”. Ora, onde quer que Pedro tenha pregado, ele sempre chamava o povo ao arrependimento. Suas palavras sempre culminavam com um foco exortativo (At 2.36-40; 10.43),em que ele deixava claro que, por meio do arrependimento e da fé, as pessoas poderiam ser salvas, para a glória de Deus (At 11.18). Ora, se isso era verdade com relação a Pedro, deve também ter sido com relação a Marcos. O Evangelho de Marcos, coerentemente, realmente tem um objetivo definitivamente doutrinário e completamente prático. E uma narrativa, não resta dúvida, mas com um proposito nobre (Mc 10.45; 12.28-34; 16.16).

A disposição de uma pessoa para se render a Jesus depende de como ela o vê. Em outras palavras, a fé sempre implica doutrina. Mesmo uma narrativa não deixa de ter suas implicações doutrinarias. A cristologia que se aprende de Marcos afirma, para começar, que Jesus é completamente humano. Ele come (2.16), bebe (15.36), tem fome (11.12), toca as pessoas (1.41) e é tocado por elas (5.27), fica angustiado (3.5) e indignado (10.14). Ele adormece por causa da fadiga, e acorda (4.38-39). Ele pede um barco para que não seja comprimido pela multidão (3.9). Por um certo tempo, exerce um oficio. Ele tem mãe, irmãos e irmãs (6.3). Visto como um homem, o seu conhecimento é limitado (13.32), por isso ele volta-se para ver quem o havia tocado (5.30), bem como caminha em direção a uma figueira, para ver se ela tinha frutos que pudessem ser comidos (11.13). Ele tem um corpo (15.43) e espirito humanos (2.8). Ele até mesmo morre (15.37)!

No entanto, este mesmo Jesus do Evangelho de Marcos é, também, completamente divino. O “Filho do homem” (2.10, 28; etc.) e também o “Filho de Deus” (1.1; 3.11, etc.). Aquele a quem ele descreve, reina soberano sobre o reino da doença, dos demônios e da morte. Como tal, ele cura todo tipo de doenças, expulsa demônios (1.32-34), cura o cego, surdo, etc. (8.22-26; 10.46-52), purifica o leproso (1.40-45) e até mesmo ressuscita o morto (5.21-24, 35-43). Ele exerce o seu poder sobre o domínio da natureza, ao acalmar o vento e as ondas (4.35-41), caminhar sobre a agua (6.48), seca a figueira infrutífera (11.13-14, 20) e multiplica alguns pães para que pudesse saciar a fome de milhares de pessoas (6.30-44; 8.. 1-10). Seu conhecimento das coisas futuras é tão detalhado e compreensivo, que ele prevê o que haverá de acontecer com Jerusalém, o mundo, os seus discípulos (capitulo 13) e ate consigo mesmo (8.31; 9.9, 21; 10.32-34; 14.17-21). Ele sabe o que vai dentro do coração dos seres humanos (2.8; 12.15), e conhece a situação da vida deles (12.44). Sua autoridade e tão majestosa que ele declara uma pessoa perdoada, de uma maneira que só Deus, e mais ninguém, poderia fazer (2.1-12, especialmente os versos 5,6). O clímax de sua majestade é revelado ao vencer a morte, por meio de sua ressurreição gloriosa (16.6)!

A pergunta sobre se Marcos apresenta Jesus como sendo o objeto da fé, deve ser vigorosamente respondida de forma afirmativa, resposta na verdade já implícita no que foi dito anteriormente. “Jesus Cristo, o Filho de Deus” é imediatamente introduzido como o Senhor, cuja vinda, em cumprimento das profecias, exige um mensageiro que lhe prepare o caminho (1.1-3). Ele é aquele para quem os anjos ministram (1.13). O seu sangue é resgate pago por muitos (10.45; cf. 14.24). Ele batiza com o Espirito Santo (1.8), é o Senhor do sábado (2.28), comissiona os seus embaixadores (3.13-19), deve ser aceito pela fé, mesmo por aqueles de seu próprio pais (implícito em 6.6), tem autoridade para convidar os seres humanos para que o aceitem e o sigam (8.34; 9.37). É também aquele a quem Davi chamou “Senhor” (implícito em 12.37), e está para voltar na glória do seu Pai (8.38), nas nuvens, com poder e grande glória, quando, então, enviará os seus anjos para recolher os seus eleitos (13.26,27).

De acordo com Marcos, as suas duas naturezas, humana e divina, estão em perfeita harmonia. Esse fato é tão claro que, ao estudar certas passagens, será praticamente impossível deixar de ver isso (4.38,39; 6.34, 41-43; 8.1-10; 14.32-41, etc.).

O objetivo de Marcos é que os seres humanos, em todos os lugares, possam aceitar este Jesus Cristo, “Filho do homem”, “Filho de Deus” e Rei conquistador, como seu Salvador e Senhor.

IV. Quais Sao as Características Desse Evangelho?

As três características mais óbvias são sua brevidade, sua intensidade e sua organização. Por brevidade deve-se entender que esse Evangelho é muito mais curto do que os outros. Na Bíblia que tenho diante de mim, Lucas cobre cerca de quarenta paginas, Mateus cobre 37, Joao 29 e Marcos 23. Lucas tem cerca de 1147 versículos, Mateus tem 1068, enquanto Marcos 1.1-16.8 tem somente 661. Marcos contém somente uma parábola que não é encontrada em nenhum outro Evangelho, a da semente que cresce em segredo (4.26-29). Marcos tem três parábolas que também são registradas em Mateus e Lucas: a do semeador (Mc 4.3-9, 18-23), a da semente de mostarda (4.30-32) e a dos lavradores maus (12.1-9). Compare esses dados com as dez parábolas de Mateus, que são peculiares daquele Evangelho; seis outras que ele compartilha com Lucas, e três compartilhadas com Marcos e Lucas, e o total chega a dezenove. Lucas tem dezoito parábolas só suas. Esse número, somado as nove já mencionadas acima, eleva o total de suas parábolas para 27. Como algumas das parábolas são muito compridas, isso quer dizer que, ao não mencionar um grande número delas, o Evangelho de Marcos tomou-se, automaticamente, menor do que os outros Evangelhos.

O que também é muito importante a esse respeito e que, entre os seis grandes discursos mencionados em Mateus, somente um - o das últimas coisas (Mt 24 e 25; cf. Mc 13) - , acha-se igualmente relatado em Marcos, e, mesmo assim, de uma forma resumida. Dos outros discursos, somente percebe-se algumas inferências, dispersas pelo livro todo.

Tudo isso significa que a brevidade de Marcos se relaciona especialmente com as palavras de Jesus. No entanto, o número de versículos nele que contêm essas palavras (alguns versículos tem somente uma ou duas delas) não é pequeno: 278. Eles ocorrem especialmente nos capítulos 2, 4, 7, 9, 10 e 12. Lucas tem 588 versículos contendo palavras de Jesus. Mateus tem 640. De acordo com esses dados, enquanto Mateus menciona essas palavras em 60% dos seus 1068 versículos, Lucas o faz em 51% dos seus 1147 versos, e Marcos em somente 42% dos seus 661. Marcos é, definitivamente, o Evangelho da ação. Agora podemos entender porque, apesar de omitir uma parte tão grande das palavras de Jesus, Marcos, mesmo escrevendo o mais curto dos Evangelhos, acha espaço para relatar uma série de milagres quase tão extensa como a que aparece no muito mais extenso Evangelho de Mateus (Mc 1.21-28, 29-31, 32-34, 39, 40-45; 2.1-11; 3.1-6; 4.35-41; 5.1-20, 21-43; 6.30-44, 45-52, 53-56; 7.24-30, 31-37; 8.1-10, 22-26; 9.14-29; 10.46-52; e 11.12-14,20,21). Os milagres relatados nos capítulos 7.31- 37 e 8.22-26, são exclusivos de Marcos. Além do mais, em várias ocasiões, o relato de Marcos é mais vivido do que nos outros sinóticos.

Isso nos leva a segunda característica desse Evangelho, ou seja, sua intensidade. O estilo de Marcos brilha. Não é ele o intérprete do apóstolo Pedro, reconhecido por sua vivacidade e personalidade altamente emocional e vibrante?

Pode ser que alguém, após haver estudado o Evangelho de Mateus, sinta-se tentado a pular o Evangelho de Marcos, dizendo: “Esse Evangelho não contém nada que não tenha sido abordado pelo ex-publicano que virou escritor”. É certo que o Evangelho de Marcos possui muito pouco material que se encontra só nele. Somente 31 versículos são exclusivos dele (1.1; 2.27; 3.20,21; 4.26-29; 7.3,4; 7.32-37; 8.22-26; 9.29, 48,49; 13.33-37; 14.51,52). Por outro lado é também verdade que, em muitos parágrafos e passagens, ele apresenta pequenos detalhes que são próprios dele, e não são encontrados em nenhum outro lugar. Esses detalhes, em adição aos textos já incluídos na lista anterior, dão vida ao relato. Aqui seguem alguns exemplos:

Quando Jesus foi tentado, estando no deserto, “Ele estava com as feras (1.13)”. A pregação de João Batista não foi exclusivamente negativa: ele não apenas conclamou sua audiência ao arrependimento, mas acrescentou “e crede no Evangelho” (1.15). Quando Tiago e João decidiram parar com as atividades de pesca que realizavam com o seu pai, para seguirem Jesus, eles não o deixaram trabalhando sozinho, pois no barco ficaram o pai “com os empregados” (1.20). Ao curar a sogra de Pedro, Jesus não apenas a tocou, mas ternamente a “tomou pela mão” (1.31). Naquela mesma tarde, ao pôr-do-sol, “toda a cidade estava reunida a porta” da casa de Pedro (1.33). “Tendo-se levantado alta madrugada, saiu, foi para um lugar deserto e ali orava”. Foi ali que Pedro e seus companheiros o acharam, e lhe disseram que todos o buscavam (1.35-37).

A casa onde Jesus estava pregando achava-se superlotada. De fato, “nem mesmo junto à porta” aqueles que desejavam ouvir, achavam um lugar (2.2).

Em outra ocasião, quando os inimigos de Cristo, num sábado, na sinagoga, o observavam com olhares críticos para ver se curaria um homem que tinha a mão ressequida, Jesus, “olhando-os ao redor, indignado e condoído com a dureza do seu coração” (3.5), realizou aquele poderoso milagre.
Era “tarde”, quando os discípulos o levaram “assim como estava” (4.35,36). Logo, Ele “estava na popa, dormindo sobre o travesseiro” (4.38). E ele disse ao mar: “Acalma-te, emudece”! (4.39). E perguntou aos seus discípulos: “Como e que não tendes fé”? (4.40).

A história da cura de um geraseno endemoninhado é contada com muito mais detalhes em Marcos do que em Mateus ou Lucas. Marcos a conta em vinte versos (5.1-20); Lucas em quatorze (Lc 8.26-39) e Mateus em sete (Mt 8.28-34). Por exemplo, Marcos diz que ninguém conseguia prend-lo, nem mesmo usando correntes. E ainda acrescenta: “Andava sempre, de noite e de dia, clamando por entre os sepulcros e pelos montes, ferindo-se com pedras” (5.5). Todos os três sinóticos relatam que quando Jesus ordenou aos demônios para saírem, eles entraram na manada de porcos, que, possessa, precipitou-se de cima de um despenhadeiro, para dentro do mar. Marcos acrescenta que a manada era formada por cerca de “dois mil porcos” (5.13). O que é verdade com respeito a cura do endemoninhado, também o é com relação a mulher que tocou as vestes de Jesus, e cuja historia completa não é contada em Mateus (três versículos: 9.20-22), nem em Lucas (seis versículos: 8.43-48), mas em Marcos (dez versículos: 5.25-34). Observe, particularmente, o que Marcos diz, que o “Doutor” Lucas não diz, a respeito dos médicos! (cf. Mc 5.25 com Lc 8.43). Outros detalhes exclusivos em Marcos acham-se em 5.29b,30. Mas, apesar de Marcos ter sido o “intérprete de Pedro”, é Lucas, e não ele, quem menciona Pedro nessa história (Lc 8.45).

Em sua própria cidade, Jesus “não pode fazer ali nenhum milagre” (6.5). Herodias “odiava” João Batista, e querendo matá-lo, não o podia, porque Herodes temia a João (6.19,20). Os apóstolos relataram a Jesus tudo quanto tinham feito e ensinado. Jesus, então, os convida: “Vinde repousar um pouco, à parte, num lugar deserto” (6.30,31). Por ocasião da alimentação dos cinco mil, o povo repartiu-se em grupos de “cem em cem e de cinquenta em cinquenta” (6.40, cf. Lc 9.14). Tendo ficado pra trás para despedir a multidão, enquanto os seus discípulos cruzavam o lago de barco, viu-os “em dificuldade a remar” (6.48, cf. Mt 14.24).

Jesus, “tendo entrado numa casa, queria que ninguém o soubesse” (7.24). A mulher siro-fenícia não levou sua filha, que estava possessa por um espirito imundo, para o encontro com Jesus. Ela, ao encontrá-lo, pediu-lhe que tivesse misericórdia de sua filha e a curasse. Marcos deixa claro que a criança não estava com ela, ao relatar que “voltando ela para casa, achou a menina sobre a cama, pois o demônio a deixara” (7.30).

Quando os fariseus discutiram com Jesus e pediram-lhe um sinal do céu, Ele “arrancou do íntimo do seu espirito um gemido” (8.12). Os discípulos “se esqueceram de levar pães e, no barco, não tinham consigo senão um só” (8.14).

Os três discípulos (Pedro, Tiago e João) “perguntaram uns aos outros que seria o ressuscitar dentre os mortos” (9.10, com a reflexão sobre o dito de Jesus registrado no versículo 9b). Esses mesmos discípulos, ao descerem do Monte da Transfiguração, observaram que havia uma grande multidão cercando os outros nove discípulos, e que “os escribas discutiam com eles” (9.14). Ao ver Jesus, a multidão foi “tomada de surpresa” (9.15). Marcos apresenta uma descrição detalhada dos sintomas da epilepsia, bem como da maneira pela qual o garoto que sofria dessa doença, foi curado (9.18-27). Esse evangelista também registra as famosas palavras de um pai: “Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé!” (9.24). Nessa ocasião em particular, Jesus não queria que a sua jornada pelos lugares remotos da Galiléia fosse divulgada (9.30). Ele perguntou aos seus discípulos sobre o que discorriam pelo caminho. A resposta deles foi o silêncio (9.33, 34; cf. Mt 18.1; Lc 9.46, 47a). Jesus colocou a criança no meio dos seus discípulos, e, “tomou-a em seus braços” (9.36). Marcos acrescenta mais uma razão (9.41; compare com Mt 10.42), às razões mencionadas por Lucas (Lc 9:49,50), pelas quais um exorcista, fora do grupo imediato dos discípulos, não deveria ser proibido de continuar fazendo o que ele estava fazendo.

O jovem rico correu para Jesus e ajoelhou-se diante dele (10.17), “e Jesus, fitando-o, o amou” (10.21). Quando o jovem rico ouviu o que deveria fazer, “ele, porém, contrariado com esta palavra, retirou-se triste” (10.22; cf. Mt 19.22; Lc 18.23). Jesus, então, “olhando ao redor”, disse aos seus discípulos que seria muito difícil para uma pessoa, dona de muitos bens, desprender-se dos mesmos e abraçar os valores do Reino de Deus (10.23 a,24). O Mestre assegura a todos que estão desejosos de sacrificar-se inteiramente por ele que, entre outras coisas, receberão “campos”, juntamente com muita perseguição (10.30). No caminho para Jerusalém, “Jesus ia adiante dos seus discípulos. Estes se admiravam e o seguiam” (10.32, cf. Lc 9.51b). Não somente a mãe de Tiago e João ousou fazer um pedido egoísta (veja Mt 20.20), mas os dois discípulos também (Mc 10.35). Bartimeu era o nome do cego de Jericó, que foi curado. Ele não era apenas cego, mas cego e mendigo (10.46). O texto de Marcos 10.49,50 apresenta vívidos detalhes da maneira pela qual Bartimeu foi encorajado, e como ele respondeu a esse encorajamento.

Os discípulos encontraram um “jumentinho preso, junto ao portão, do lado de fora, na manhã” (11.4). Por ocasião da entrada triunfal de Cristo em Jerusalém, a multidão clamava: “Bendito o reino” (11.10, cf. Mt 21.9; Lc 19.38). A respeito da purificação do templo, Marcos relata: “Não permitia que alguém conduzisse qualquer utensilio pelo templo” (11.16).

“Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor!” (12.29). O escriba endossa o resumo que Cristo deu da lei e recebe a aprovação do Senhor (12.32-34).

“Mestre! Que pedras, que construções!” (13.1, cf. Mt 24.1; Lc 21.5). “Pedro, Tiago, João e André perguntaram a ele em particular...” (13.3, evidentemente uma informação que ele recebeu de Pedro). “Um irmão entregara a morte outro irmão, e o pai, ao filho” (13.12, mais vívido do que Mt 24.10; Lc 21.16). O “abominável da desolação”, se situara “onde não deve estar” (13.14).

Em conexão com a. a unção em Betânia, Marcos relata que ela “quebrou o alabastro” (14.3); b. o testemunho de Cristo perante o Sinédrio: “os depoimentos não eram coerentes” (14.56); c. a negação de Pedro: “E logo cantou o galo pela segunda vez” (14.72, cf. Mt 26.74,75; Lc 22.60).

Barrabás, o amotinador, era também um “homicida” (15.7). O povo pediu a Pilatos que libertasse um prisioneiro (15.8). Pilatos respondeu dizendo: “Que farei, então, deste a quem chamais o rei dos judeus”? (15.12, cf. Mt 27.22). Simão Cireneu era “o pai de Alexandre e de Rufo” (15.21, cf. Rm 16.13). Foi no “dia da preparação, isto é, a véspera do sábado”, que José de Arimatéia, “resolutamente” dirigiu-se a Pilatos e pediu o corpo de Jesus (15.42, 43, cf. Mt 27.57, 58; Lc 23.50- 52; Jo 19.38). Marcos também relata as ações de Pilatos antes de atender ao pedido (15.44).

Foi depois do pôr-do-sol do sábado que Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé compraram aromas para embalsamar o corpo de Jesus (16.1, cf. Mt 28.1). “E elas diziam umas as outras: Quem nos removera a pedra da entrada do tumulo?” (16.3). E aquela era uma pedra “muito grande” (16.4). “Entrando no tumulo, viram um jovem com uma roupa branca assentado ao lado direito” (16.5). Ele disse as mulheres: “Não vos atemorizeis; buscais a Jesus...” (16.6). Ide, dizei a seus discípulos “e a Pedro” (16.7 é mais um lembrete da proximidade entre Marcos e Pedro; cf. Mt 28.7). Elas, “de medo, nada disseram a ninguém” (16.8).

Finalmente, parece que, em adição a brevidade e intensidade, o Evangelho de Marcos destaca-se por sua organização cronológica. De Marcos 1.1-6.13, Lucas e Marcos seguem os seus relatos paralelamente, de tal maneira que quando se soma 3 (ou algumas vezes 4) ao número do capitulo em que a narrativa de Marcos ocorre, se toma muito fácil localizar a história correspondente em Lucas. Deve-se ter em mente, porém, que Lucas não contém nenhum paralelo em Marcos. (Nem Marcos 7 é duplicado em Lucas).

O fato de Lucas colocar a rejeição de Cristo pelos cidadãos de Nazaré na parte oficial do seu ministério na Galileia, apesar de que a própria história dessa rejeição pressupõe que, quando ela ocorreu, Jesus já havia desenvolvido uma obra considerável nessa região (veja Lc 4.32), prova que esse escritor não estava muito preocupado com a ordem cronológica dos acontecimentos. Nem Mateus nem Marcos mencionam esse incidente até a metade dos seus respectivos livros. 

Semelhantemente, várias referências a tempo, na seção intermediaria do Evangelho de Lucas, são tão indefinidas (veja Lc 11.1, 14, 29; 12.1, 13; 13.10, 18; 9.51; 13.22; 17.11), que elas indicam que, apesar do relato de Lucas ser “uma exposição em ordem” (Lc 1.3), a maneira como o material foi organizado só pode ser chamado de cronológico se adotarmos um sentido muito geral para o termo. Finalmente, quando Lucas descreve a revelação do traidor (Lc 22.21-23) depois da instituição da Santa Ceia (22.14-20; contraste Mt 26.20-29; Mc 14.17-25; conferir Jo 13.30), está claro que ele não organiza o seu material numa ordem cronológica exata. E porque ele deveria? Lucas tinha razões excelentes para contar a sua história exatamente da maneira como o fez. Sua narrativa, organizada tematicamente, é tão inspirada quanto é a de Marcos, que é organizada cronologicamente.

Com relação ao Evangelho de Mateus, está bastante claro que ele não tenta organizar os milagres iniciais de Cristo (capítulos 8 e 9) na ordem que os mesmos ocorreram. O amaldiçoamento da figueira e a lição a ser tirada desse acontecimento aconteceram em parte na segunda, e em parte na terça-feira da semana de sua paixão e morte. Marcos chama a atenção para esse fato cronológico (11.11,12, 19, 20); já Mateus não revela a mesma preocupação. Ele deseja contar toda a história de uma só vez, usando para isso um relato ininterrupto e completamente conectado (21.18- 22). Ele tinha suas razões, perfeitamente justificáveis, para adotar esse tipo de abordagem. Essas diferenças só realçam o ponto que estamos querendo deixar claro: se queremos um relato dos acontecimentos em ordem cronológica, devemos procurá-lo no Evangelho de Marcos, e não no de Lucas ou Mateus.

O que é especialmente importante a esse respeito é o fato de que, em geral, quando Mateus se afasta da ordem estabelecida por Marcos, Lucas mantêm-se nela. E, quando Lucas se afasta dela, Mateus permanece com Marcos.

Começando com a historia da morte de João Batista (Mc 6.14-29), seguindo imediatamente pelo relato da alimentação dos cinco mil (Mc 6.30-44), e caminhando até o fim de ambos os Evangelhos, pode-se observar, claramente, um modelo definido de relacionamento entre Marcos e Mateus. Existe também um relacionamento semelhante entre Marcos e Lucas, que começa com o relato de Jesus dando as boas-vindas as criancinhas (Mc 10.13-16), e continuando ate o final de ambos os livros.

Isso não significa, no entanto, que cada seção de Marcos tenha a sua correspondência em Mateus ou Lucas, ou em ambos. Das 62 seções nas quais podemos dividir Marcos 6.14 -16.8, dando um titulo diferente para cada uma delas, cinco não tem qualquer paralelo real em Mateus (as seções em Marcos são: 7.31-37; 8.22-26; 9.38-41; 12.41- 44; 14.51, 52). Das 42 seções nas quais podemos dividir Marcos 10.13-16.8, oito delas (Mc 10.35-45; 11.12-14; 11.20-25; 11.28-34; 13.32-36; 14.3-9; 14.51, 52; 15.16 -20) não tem nenhum paralelo claro em Lucas. Isso ainda indica que a maioria das seções de Marcos de 10.13 em diante é mencionada também em Mateus e Lucas, com os três relatos correndo lado a lado.

Não afirmamos que todas as seções de Marcos são sempre arranjadas cronologicamente. Existem, aqui e acolá, algumas divisões que são indefinidas, em relação ao tempo (10.13, 17; 12.1; 14.10). Além do mais, Marcos não tem nenhum versículo que trate do nascimento de Cristo. Ele também não cobre o ministério inicial ou posterior na Judeia. Definitivamente, não era intenção de Marcos escrever uma “biografia” ou “vida” de Cristo. Ele também não tentou sumariar os discursos de Cristo. Pelo contrário, ele referiu-se a cada um deles na ordem em que foram apresentados. Tudo isso implica dizer que, na ênfase a respeito da cronologia, Marcos, muito mais do que Mateus ou Lucas, tem nos fornecido um guia. Observe a grande quantidade de datas e locais definidos: 10.32,46; 11.1, 11,12, 15, 19,20, 27; 13.1,3, 14.1,3, 12, 17, 22, 26, 32, 43; 15.1, 22, 33, 42; 16.1-2; esses todos em acréscimo aos que são encontrados nos primeiros nove capítulos.

Concluindo, se alguém está procurando por um Evangelho caracterizado pela sua brevidade, intensidade e organização cronológica, certamente o achará no Evangelho segundo Marcos.

V - Como Ele e Organizado?

O Evangelho de Marcos não contém nenhuma narrativa do nascimento de Jesus. No entanto, em seu capitulo primeiro, ele expressa a verdade do “vindo do céu” (veja Mc 1,38b). Jesus não apenas nasceu. Ele veio. Não há nenhuma boa razão para crer que Marcos 1.38 tenha um significado diferente do de Joao 6.38. Jesus veio do céu com um propósito. Esse proposito está plenamente declarado em Marcos, isto é, “pregar” (1.38), “chamar pecadores (ao arrependimento)” (2.17) e “dar a sua vida em resgate por muitos” (10.45). Isso pode ser comparado com o “buscar e salvar o perdido” (Lc 19.10) e “salvar os pecadores” (lTm 1.15). Paulo diz: “pois conheceis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (2Co 8.9).

“O Pai enviou o seu Filho ao mundo” com uma tarefa a realizar. Essa tarefa era a de ser “o Salvador do mundo” (1 Jo 4.14). Um bom tema (veja Jo 17.4b) para a historia contada nos Evangelhos pode ser:

A Obra que Lhe Deste Para Fazer

As divisões principais para os três Evangelhos sinóticos serão:

Esta obra (ou tarefa):

I. Começou
II. Continuou
III. Consumou-se

Ou, numa fraseologia ligeiramente diferente:

I. Seu Inicio ou Inauguração
II. Seu Progresso ou Continuação
III. Seu Clímax ou Consumação







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