A
Primeira Manifestação da Trindade
São
Marcos 1.7-11
“E
proclamava (João Batista): “Depois de mim, vem aquele que é mais
forte do que eu, de quem não sou digno de, abaixando-me, desatar a
correia das sandálias. Eu vos batizei com água. Ele, porém, vos
batizará com o Espírito Santo”. Aconteceu, naqueles dias, que
veio Jesus de Nazaré da Galiléia e foi batizado por João no rio
Jordão. E, logo ao subir da água, ele viu os céus se rasgando e o
Espírito, como uma pomba, descer até ele, e uma voz vinda do céu:
“Tu és meu Filho amado, em ti me comprazo.” - Bíblia de
Jerusalém
Marcos
– o escritor do primeiro Evangelho redigido pela e para a reflexão
da Igreja – tem um ritmo diferente dos demais sinóticos e,
igualmente, do Quarto Evangelho. É conciso, econômico nas palavras,
como aquele que tem pressa em anunciar a “Boa Notícia”. Ele
iniciar seu “livro” declarando: “Princípio do Evangelho de
Jesus Cristo”. O Evangelho é o Cristo de Deus revelado em Jesus de
Nazaré da Galiléia. Ele encarna em Si essa Boa Nova a ser
proclamada pelos discípulos na Igreja. Aqui, em Marcos, tal
revelação de Jesus como Filho de Deus, o Cristo de Deus, o Messias
de Deus se dá de forma progressiva e Marcos enquadra essa revelação
em duas teofanias (revelação ou manifestação de Deus): no Batismo
de Jesus por João, o Batista no Jordão – que é o nosso Evangelho
de hoje – e a Transfiguração (Mc 9.7). Contudo, essas duas
manifestações de Deus tem como “audiência” um círculo pequeno
de pessoas, pois em Marcos, a derradeira teofania será a Cruz e a
profissão de fé do soldado pagão: “Verdadeiramente este homem
era Filho de Deus” (Mc 15.39b).
Marcos
relata o episódio do Batismo sem os detalhes que encontramos em S.
Mateus e S. Lucas, essa “ligeireza” de “filme de ação”,
percorre todo o seu Evangelho, como quem tem pressa de anunciar o
Cristo (o Ungido, o Messias) e sem muitos preâmbulos, aparece “Jesus
de Nazaré da Galiléia” para ser batizado no batismo de João,
que, sabemos, era um batismo de “remissão dos pecados”.
Muitas
páginas já foram escritas pelos estudiosos exegetas, igualmente
pelos teólogos doutrinários e apologetas sobre esse episódio do
“Batismo do Senhor”. A questão principal que os movia era: “Se
Jesus é Deus e Homem – e Homem sem pecado – por que se submeter
ao batismo de João que era um batismo para a remissão de pecados?
Muitas respostas foram dadas, mas a mais simples de todas encontramos
num teólogo exegeta reformado.
William
Hendriksen responde assim: “Jesus,
de fato, carregava em si mesmo os
nossos
muitos pecados. Não
é
isso que Isaías
53.6 sugere (“Todos nos andávamos
desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o
Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nos todos”)? Não
é
também
sugerido no fato de que, não
muito tempo apos ter batizado Jesus, João,
ao vê-lo,
disse: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo
1.29)? Parece claro, portanto, que a decisão
de
Jesus
de ser batizado por João,
significou o seu comprometimento de tomar sobre si a culpa de todos
aqueles pelos quais ele haveria de morrer. Num certo sentido, ao se
batizar, Jesus estava cumprindo parte da sua tarefa de dar a vida
pelas suas ovelhas (cf. Mt 20.28; Mc 10.45; Jo 10.11;
2Co 5.21; lPe 3.18). Além
do mais, se não
fosse por essa
autosubmissão
voluntária,
simbolizada pelo seu batismo, não
seriam todos os
outros batismos sem sentido? Foi pelo seu próprio
sacrifício
que foi estabelecida a base para o perdão
de pecados, simbolizado e selado pelo batismo, para todos que, com
sinceridade, reconhecem sua incapacidade e falta de méritos,
e pretendem levar a jornada da vida adiante, em
“novidade de vida”.
Para
além disso, a tônica, o ponto alto do nosso texto é a Teofania que
se realizou no Batismo de Jesus como manifestação da Trindade ou
manifestação trinitariana. O Filho que sai da água, o Espírito
que pousa sobre Ele como uma pomba e a voz de Deus, o Pai declarando
que Jesus era Seu Filho Amado, no qual Ele se alegrava.
Aqui
João viu e ouvir aquilo que o mesmo Espírito já tinha lhe
revelado: Ele era o Cordeiro de Deus, Ele era mais forte do que ele,
Ele era aquele quem batizava com o Espírito Santo. Ele era o
Messias, o Cristo.
Mas
também aqui se dá, na realidade se evoca vários elementos: O Êxodo
como
Isaías o interpretava, a experiência batismal da Igreja e as mais
remotas experiências de investidura profética. A experiência de
Jesus é comparada com a de Moisés, que liderou o povo de Deus na
libertação da escravidão à liberdade através das águas do mar.
Também a experiência evoca o “Servo” profetizado por Isaías
que tomou sobre Si tudo o que era humano e carregou sobre Si tal
fardo no objetivo de salvar os humanos do mesmo. Fidelidade e
solidariedade do Filho que irá se cumprir plenamente em Sua morte,
seu derradeiro batismo como Ele mesmo declarou aos “Filhos do
Trovão”, aos filhos de Zebedeu, seus discípulos (Mc 10.38b).
Com
o Batismo se dá o início do ministério de Cristo à favor dos
seres humanos, aqui Ele inicia sua missão sob o impulso do Espírito,
tal qual os profetas, contudo, de maneira plena, eficaz, permanente.
Por
fim, a experiência batismal da Igreja. A Igreja desde os primórdios
ministrou o batismo – sinal, sacramento – simbolizando com tal
gesto a entrada no Pacto da Nova Aliança, como também, a entrada na
Igreja, comunidade de Fé do Messias que O confessa e O proclama ao
mundo. É testemunho de quem recebe o sacramento como testemunha da
sua profissão de fé ao mundo, de sua adesão ao Jesus de Nazaré e
seu projeto de Reino de Deus no aqui e no agora das nossas
existências, e, como ensina S. Paulo, o batismo também simboliza
nossa morte e nossa ressurreição em Cristo (“sepultados com Ele,
pelo batismo…) para vivermos em novidade de vida, ou seja, em
processo de uma transformação cotidiana, pela Palavra e pelo
Espírito que faz tal grandiosa obra em nós, processo que só
terminar com nosso encontro derradeiro quando chamados à presença
de Deus Uno e Trino, então, face a face, seremos, finalmente e
plenamente, a “imago Dei”, a Imagem de Deus.
Para
nós resta-nos darmos testemunho do nosso Batismo todos os dias. É
tarefa nada fácil e árdua num mundo que está em rota de colisão
com os valores do Evangelho. Nosso testemunho se resume no fato de
testemunharmos nossa morte e ressurreição em Cristo, ainda que em
processo, vivendo para as boas obras, as quais, de antemão fomos nós
criados para elas. Dessa maneira, continuamos o tema do discipulado
que tem sido a lição dessa semana pós-Natal, pois discípulos são
aqueles que são sinais, testemunhas, luz e sal da terra. Que
sejamos, pois, testemunhas do nosso Batismo, produzindo boas obras,
confessando o Senhorio de Cristo e vivendo em novidade de vida todos
os dias! Amém!
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