sábado, 6 de janeiro de 2018

Domingo da Epifania do Senhor

Magos do Oriente: são Sábios, não Reis.

Xabier Pikaza


          Epifania é manifestação (de Deus) e conhecimento profundo dos homens. Não é uma parte final do Natal, mas todo o Natal.
          Por isso se celebra nesta tarde a cavalgada dos Magos, os sábios que vêm do Oriente (amanhecer da luz) em busca do Menino, e amanhã será a Grande Epifania que hoje apresento com o ícone de Natal do Mosteiro Copta de Santa Catarina do Sinai, de forma quase etíope, de origem egípcio, sobre o qual tratarei no final desta postagem.
          Este, talvez, é o mais significativo e completo (antigo) dos ícones do mistério do Natal. Anterior a grande luta dos iconoclastas. Em resumo, este é o seu significado:
          1 – Do círculo mais alto (divino) com as três estrelas de Deus Pai, que desce para Jesus e Nele se encarna como “raio” de vida, a Palavra feito carne, pelo Espírito, que lhe veste de vermelho... Jesus na manjedoura, com auréola de cruz ( e assim todo o mistério Pascal se concentra nessa Criança).
          2 – No painel superior estão os Quatro Arcanjos, que cantam a glória de Deus e anunciam a Epifania aos três Magos; este mundo “angélico”, presente nos grandes livros sagrados de Daniel e Enoque, leva à Encarnação da Palavra de Deus, a quem à serviço se colocam.
          3 – No painel central está Maria, humanidade que dá luz ao Menino, entronizado com a cruz na manjedoura, e ao seu lado veem os três Magos, para descobrir a Sabedoria de Deus que é Jesus (estão à pé, os cavalos deixados abaixo, à esquerda). Não são Reis (poder político), são sábios, os maiores da Babilônia, da Pérsia e do Egito/Etiópia, as três partes do mundo, na linha dos grandes sábios do conhecimento do Livro de Daniel.
          4 – Na parte inferior, um “anjo músico” entre as cabras, chama com sua flauta aos Pastores, e há um deles, à direito com sua carteira. Os cavalos dos Magos estão prontos à esquerda, junto à José (simbolizando Israel), pensativo e descobrindo o Mistério, enquanto duas mulheres (representando a humanidade inteira (uma das quais é Maria, e , talvez, a outra, Isabel) limpam e vestem o Menino. Os cavalos dos Sábios aguardam à esquerda para levar o bom conhecimento ao mundo inteiro, em cavalgada do Natal e da Páscoa.
          Há mais elementos na cena, mas vou me ater a estes. É evidente que esses Magos não são Reis, senão Sábios. Veem do Oriente (lugar onde nasce o Sol da Sabedoria, encarnado agora em Jesus: o raio de Deus O plenifica.). Estes Sábios personificam a sabedoria ancestral do Oriente, na linha do mistério e da humanidade sagrada, mais que a sabedoria grega e a política de Roma. Assim se representa a Epifania de Deus que é o Menino Jesus, sabedoria universal do mundo, em chaves simbólicas.
          Esta é, talvez, uma recreação de um dos Livros mais misteriosos do Antigo Testamento, o de Daniel, que é uma disputa de Sábios/Magos babilônios, persas, sírios... com Daniel e seus três amigos sábios judeus (e nessa linha se situa outros elementos da literatura profético-apocalíptico de Isaías à Enoque) recriada pelos Evangelhos de Lucas, Mateus e João.
          Mas aqui a Sabedoria de Deus não é uma palavra apocalíptica sobre o fim do mundo, mas a vida do Menino Deus, que se dispõe a percorrer com os homens o caminho da humanidade, da história cósmica.
          Esta cena mostra que a Sabedoria de Deus e dos homens é um Menino que nasce, com os quatro Arcanjos acima, Maria e os Sábios juntos ao Menino no centro, e um outro anjo músico com as cabras e os Pastores que veem, no entorno da natureza sagrada, enquanto José medita, os cavalos estão prontos para levar ao mundo a Mensagem e duas mulheres acorrem e cuidam do Menino.
- A Revelação de Deus é um Menino
          Esta é, na minha opinião, o conteúdo mais profundo da experiência do Natal das antigas Igrejas do Oriente, em especial da Copta (do Egito e Etiópia).
          A revelação do Deus Menino ilumina sua Estrela (as três estrelas) no topo do ícone (o Oriente é a altura divina), para que todos os povos possam contemplar e aceitar o mistério da vida que nasce.
          A Estrela da Sabedoria/Vida de Deus conduz os sábios do mundo, do Oriente e Ocidente, até ao Menino, que, sendo Deus Sabedoria em plenitude só poderá viver se O acolhermos e cuidarmos, como Maria e José, com a outra mulher e com os Pastores, que acolheram, celebraram e cuidaram  do Menino conforme o ícone do Natal.
          Anjos e homens com os Três Sábios, estão aqui à serviço do Menino mais frágil, para descobri Nele e com Ele (no caminho de entrega da vida, antecipação da Cruz e Ressurreição) a Sabedoria Divina.
          Crer em Deus significa cuidar das crianças – de todas as crianças -  e com eles aos seres mais frágeis do mundo. Isto é Natal.
- Texto: São Mateus 2.1-12
          “Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que vieram magos do Oriente a Jerusalém, perguntando: “Onde está o rei dos judeus recém-nascido? Com efeito, vimos sua estrela no seu surgir e viemos homenageá-lo. Ouvindo isso, o rei Herodes ficou alarmado e com ele toda Jerusalém. E, convocando todos os chefes dos sacerdotes e os escribas do povo, procurou saber deles onde havia de nascer o Cristo. Eles responderam: “Em Belém da Judéia, pois é isto que foi escrito pelo profeta: “E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és o menor entre os clãs de Judá, pois de ti sairá um chefe que apascentará a Israel, meu povo”. Então Herodes mandou chamar secretamente os magos e procurou certificar-se com eles a respeito do tempo em que a estrela tinha aparecido. E, enviando-os a Belém, disse-lhes: “Ide e procurei obter informações exatas a respeito do menino e, ao encontra-lo, avisai-me, para que também eu vá homenageá-lo.” A essas palavras do rei, eles partiram. E eis que a estrela que tinham visto no céu surgir ia à frente deles até que parou sobre o lugar onde se encontrava o menino. Eles, revendo a estrela, alegraram-se imensamente. Ao entrar na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o homenagearam. Em seguida abriram seus cofres e ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra. Avisados em sonhos que não voltassem a Herodes, regressaram por outro caminho para a sua região.” – Bíblia de Jerusalém
          1 – Um Menino, Sabedoria de Deus, Rei dos Judeus
          Os Magos veem a Jerusalém por tinham visto no Oriente a estrela do Rei dos Judeus... Este temos nos situa no centro de uma extensa tradição astrológica e astronômica que vincula o ser humano (especialmente o Salvador) com um astro do céu: Ele é como Luz no firmamento e futuro da História. Por isso, ali onde nasceu o Rei dos Judeus, uma luz deve ter sido acesa, se expande uma esperança de salvação sobre a terra.
          Essa luz atrai os Magos, que vêm até Jerusalém, iniciando a marcha dos povos para o futuro da humanidade plena. Por isso, como supomos, esta passagem deve interpretar-se à luz do Messianismo Universal de Mt 28.16-20.
         Os Magos perguntam pelo Messias em Jerusalém, mas eles não O acham ali (na cidade do Templo, onde habita um rei deste mundo), senão em Belém, capital onde se centram e se cumprem as promessas. Dessa forma, esse segundo capítulo de Mateus, com sua procissão de povos buscando o Messias, podemos entender já como anúncio e culminação pascal do Evangelho: uma prolepse (uma antecipação) do que será a missão final cristã, interpretada aqui em forma centrípeta (desde o modelo da grande peregrinação dos povos até ao centro da Terra que é Jerusalém). Esta é a salvação: buscar a presença de Deus num Menino, em todos as crianças do Mundo.
          2- Adorar a Deus: encontrar Cristo nas crianças
          Os magos são sinais de todos os povos pagão do Oriente (e do mundo todo: três é a totalidade humana), que vêm até Jerusalém para adorar o Rei dos Judeus, já nascido, pois a Estrela apareceu. Eles, os Magos, são sinais de um caminho de busca e fé universal, que vai além do nível israelita, tanto por sua origem como por seu objetivo.
          Por sua origem: a força que os leva até Jesus não é a Lei de Israel, senão a luz da Estrela de sua própria religião (pagã), desde a Pérsia/Babilônia, desde o mundo todo.
          Por seu objetivo: depois de adorar Jesus, não ficam ali, para formal um povo espacial/geográfico, ao contrário, voltam à suas terras, como indicando que o caminho da Luz do Rei israelita devem ser interpretado desde suas próprias tradições religiosas e culturais. Eles conhecem a nova verdade: Deus está num Menino e em todos as crianças necessitadas e carentes.
          Por isto, no final do Evangelho (Mt 28.16-20), os cristãos têm que sair de Belém e da Galiléia, para levar a todos os povos a nova mensagem, própria dos Magos (que são judeus ou cristãos, muçulmanos ou hindus ou pessoas que não têm religião externa). Deus se fez Menino, Deus se encontra e vive (encoraja, espera) em todas as crianças do mundo. Sendo religião do nascimento, o cristianismo é religião de amor oferecido a todos os necessitados da terra, começando pelos mais necessitados de todos, que são as crianças. Os discípulos de Jesus devem levar essa Mensagem, mas não a partir de Jerusalém (pois os sacerdotes não querem levá-la), mas a partir da Montanha da Páscoa.
          3 - Especialista em buscar e cuidar das crianças. Conclusões.
          1 – Jesus, Messias de Deus, não está fechado no Templo e na Lei de Israel, mas aberto em Belém, para todos os que veem, como criança que necessita de todos. Não é Rei que impõe seu direito, senão Criança Necessitada, nos braços de Sua Mãe. Não é sacerdote que expande a sacralidade divina a partir do Tabernáculo do Templo, mas criança ameaçada, que deve exilar-se no Egito, assumindo assim a história do Autêntico Israel, Filho de Deus (cf. 2.15).  Jesus é a Sabedoria dos Anjos, a Sabedoria da Natureza (pastores e cabras), com a mulher Maria e seu esposo, com José e com os Magos.
          2 – Os representantes religiosos e sociais de Israel não foram à Belém para adorarem ao Rei dos Judeus, não querem uma religião de crianças. Eles conhecem de algum modo o mistério (sabem que o Messias deve nascer em Belém), mas não querem buscá-lo, nem oferecem o tesouro de suas vidas (cf. 2.11), pois estão muito preocupados com suas sacralidades nacionais e sociais. Este é o paradoxo de um Messias Criança, que nos custa aceitar. Queremos outras coisas, não sabemos deixar tudo e cuidar das crianças.
          3 – O rei Herodes não aceita o Messianismo de Jesus e decide matá-lo. Consequentemente, a vinda dos Magos se inscreve num contexto de perseguição: o rei da vez persegue o verdadeiro Rei dos Judeus, obrigando a exilar-se, enquanto os buscadores messiânicos do Oriente retornam às suas terras por outro caminho. Herodes tem medo das crianças que podem nascer fora do seu domínio, filhos de exilados, de imigrantes... Tendo medo das crianças que hoje nascem e que podem lhe tirar o trono. Por isto está disposto a matar as crianças, de um modo ou de outro, para manter seu domínio.
          4 – A verdadeira sabedoria e santidade está em acolher e cuidar das crianças, as próprias, as distantes, as outras, de todas as crianças. Tomado assim, o dogma cristão é muito simples: só há UM Deus, Aquele que se manifesta como Pai de todas as crianças, Aquele que nasce como Filho, como Filho de todos. Esta é a Sabedoria, esta é a Santidade: acolher e cuidar das crianças, abrindo para elas as portas da paz deste mundo.
          Conclusão
          Olhemos novamente o ícone que nos vem de uma das igrejas mais ricas da Cristandade, antes da grande disputa dos iconoclastas (que destruíram as imagens). Estas podem ser as conclusões:
          - A Sabedoria de Deus é uma criança que nasce, Deus Encarnado. O Natal é cuidar das crianças e dos necessitados.
          - Os sacerdotes deste Natal são antes de tudo, Maria e os Magos, a mulher grávida de Deus, os Magos buscadores de Sua Sabedoria, que chegam à pé (seus cavalos são deixados à sós, abaixo, à esquerda).
          - Este é o grande mistério para o José, o varão israelita, enquanto toca a música o anjo da flauta e chegam também os pastores.
Nota sobre o ícone: Do século VII/IX d.C., proveniente do Mosteiro de Santa Catarina do Sinai. Há outras versões do ícone no Google: ícones do Mosteiro de Santa Catarina.

          

Um comentário:

A Purificação/Ressurreição de um Leproso: Revela-Se o Senhor que Inclui. Rev. Marcio Retamero Evangelho de S. Marcos 1.40-45 “4...