Magos
do Oriente: são Sábios, não Reis.
Xabier
Pikaza
Epifania é manifestação (de Deus) e
conhecimento profundo dos homens. Não é uma parte final do Natal, mas todo o
Natal.
Por isso se celebra nesta tarde a
cavalgada dos Magos, os sábios que vêm do Oriente (amanhecer da luz) em busca
do Menino, e amanhã será a Grande Epifania que hoje apresento com o ícone de
Natal do Mosteiro Copta de Santa Catarina do Sinai, de forma quase etíope, de
origem egípcio, sobre o qual tratarei no final desta postagem.
Este, talvez, é o mais significativo
e completo (antigo) dos ícones do mistério do Natal. Anterior a grande luta dos
iconoclastas. Em resumo, este é o seu significado:
1 – Do círculo mais alto (divino) com
as três estrelas de Deus Pai, que desce para Jesus e Nele se encarna como “raio”
de vida, a Palavra feito carne, pelo Espírito, que lhe veste de vermelho...
Jesus na manjedoura, com auréola de cruz ( e assim todo o mistério Pascal se
concentra nessa Criança).
2 – No painel superior estão os
Quatro Arcanjos, que cantam a glória de Deus e anunciam a Epifania aos três
Magos; este mundo “angélico”, presente nos grandes livros sagrados de Daniel e
Enoque, leva à Encarnação da Palavra de Deus, a quem à serviço se colocam.
3 – No painel central está Maria,
humanidade que dá luz ao Menino, entronizado com a cruz na manjedoura, e ao seu
lado veem os três Magos, para descobrir a Sabedoria de Deus que é Jesus (estão
à pé, os cavalos deixados abaixo, à esquerda). Não são Reis (poder político),
são sábios, os maiores da Babilônia, da Pérsia e do Egito/Etiópia, as três
partes do mundo, na linha dos grandes sábios do conhecimento do Livro de
Daniel.
4 – Na parte inferior, um “anjo
músico” entre as cabras, chama com sua flauta aos Pastores, e há um deles, à
direito com sua carteira. Os cavalos dos Magos estão prontos à esquerda, junto
à José (simbolizando Israel), pensativo e descobrindo o Mistério, enquanto duas
mulheres (representando a humanidade inteira (uma das quais é Maria, e ,
talvez, a outra, Isabel) limpam e vestem o Menino. Os cavalos dos Sábios
aguardam à esquerda para levar o bom conhecimento ao mundo inteiro, em
cavalgada do Natal e da Páscoa.
Há mais elementos na cena, mas vou me
ater a estes. É evidente que esses Magos não são Reis, senão Sábios. Veem do
Oriente (lugar onde nasce o Sol da Sabedoria, encarnado agora em Jesus: o raio
de Deus O plenifica.). Estes Sábios personificam a sabedoria ancestral do
Oriente, na linha do mistério e da humanidade sagrada, mais que a sabedoria
grega e a política de Roma. Assim se representa a Epifania de Deus que é o
Menino Jesus, sabedoria universal do mundo, em chaves simbólicas.
Esta é, talvez, uma recreação de um
dos Livros mais misteriosos do Antigo Testamento, o de Daniel, que é uma
disputa de Sábios/Magos babilônios, persas, sírios... com Daniel e seus três
amigos sábios judeus (e nessa linha se situa outros elementos da literatura
profético-apocalíptico de Isaías à Enoque) recriada pelos Evangelhos de Lucas,
Mateus e João.
Mas aqui a Sabedoria de Deus não é
uma palavra apocalíptica sobre o fim do mundo, mas a vida do Menino Deus, que
se dispõe a percorrer com os homens o caminho da humanidade, da história
cósmica.
Esta cena mostra que a Sabedoria de
Deus e dos homens é um Menino que nasce, com os quatro Arcanjos acima, Maria e
os Sábios juntos ao Menino no centro, e um outro anjo músico com as cabras e os
Pastores que veem, no entorno da natureza sagrada, enquanto José medita, os
cavalos estão prontos para levar ao mundo a Mensagem e duas mulheres acorrem e
cuidam do Menino.
- A Revelação de Deus é
um Menino
Esta é, na minha opinião, o conteúdo
mais profundo da experiência do Natal das antigas Igrejas do Oriente, em
especial da Copta (do Egito e Etiópia).
A revelação do Deus Menino ilumina
sua Estrela (as três estrelas) no topo do ícone (o Oriente é a altura divina),
para que todos os povos possam contemplar e aceitar o mistério da vida que
nasce.
A Estrela da Sabedoria/Vida de Deus
conduz os sábios do mundo, do Oriente e Ocidente, até ao Menino, que, sendo
Deus Sabedoria em plenitude só poderá viver se O acolhermos e cuidarmos, como
Maria e José, com a outra mulher e com os Pastores, que acolheram, celebraram e
cuidaram do Menino conforme o ícone do
Natal.
Anjos e homens com os Três Sábios,
estão aqui à serviço do Menino mais frágil, para descobri Nele e com Ele (no
caminho de entrega da vida, antecipação da Cruz e Ressurreição) a Sabedoria
Divina.
Crer em Deus significa cuidar das
crianças – de todas as crianças - e com
eles aos seres mais frágeis do mundo. Isto é Natal.
-
Texto: São Mateus 2.1-12
“Tendo Jesus nascido em Belém da
Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que vieram magos do Oriente a Jerusalém,
perguntando: “Onde está o rei dos judeus recém-nascido? Com efeito, vimos sua
estrela no seu surgir e viemos homenageá-lo. Ouvindo isso, o rei Herodes ficou
alarmado e com ele toda Jerusalém. E, convocando todos os chefes dos sacerdotes
e os escribas do povo, procurou saber deles onde havia de nascer o Cristo. Eles
responderam: “Em Belém da Judéia, pois é isto que foi escrito pelo profeta: “E
tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és o menor entre os clãs de Judá, pois
de ti sairá um chefe que apascentará a Israel, meu povo”. Então Herodes mandou
chamar secretamente os magos e procurou certificar-se com eles a respeito do
tempo em que a estrela tinha aparecido. E, enviando-os a Belém, disse-lhes: “Ide
e procurei obter informações exatas a respeito do menino e, ao encontra-lo,
avisai-me, para que também eu vá homenageá-lo.” A essas palavras do rei, eles
partiram. E eis que a estrela que tinham visto no céu surgir ia à frente deles
até que parou sobre o lugar onde se encontrava o menino. Eles, revendo a
estrela, alegraram-se imensamente. Ao entrar na casa, viram o menino com Maria,
sua mãe, e, prostrando-se, o homenagearam. Em seguida abriram seus cofres e
ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra. Avisados em sonhos que não
voltassem a Herodes, regressaram por outro caminho para a sua região.”
– Bíblia de Jerusalém
1 – Um Menino, Sabedoria de Deus, Rei
dos Judeus
Os Magos veem a Jerusalém por tinham
visto no Oriente a estrela do Rei dos Judeus... Este temos nos situa no centro
de uma extensa tradição astrológica e astronômica que vincula o ser humano
(especialmente o Salvador) com um astro do céu: Ele é como Luz no firmamento e
futuro da História. Por isso, ali onde nasceu o Rei dos Judeus, uma luz deve
ter sido acesa, se expande uma esperança de salvação sobre a terra.
Essa luz atrai os Magos, que vêm até
Jerusalém, iniciando a marcha dos povos para o futuro da humanidade plena. Por
isso, como supomos, esta passagem deve interpretar-se à luz do Messianismo
Universal de Mt 28.16-20.
Os Magos perguntam pelo Messias em
Jerusalém, mas eles não O acham ali (na cidade do Templo, onde habita um rei
deste mundo), senão em Belém, capital onde se centram e se cumprem as
promessas. Dessa forma, esse segundo capítulo de Mateus, com sua procissão de
povos buscando o Messias, podemos entender já como anúncio e culminação pascal
do Evangelho: uma prolepse (uma antecipação) do que será a missão final cristã,
interpretada aqui em forma centrípeta (desde o modelo da grande peregrinação
dos povos até ao centro da Terra que é Jerusalém). Esta é a salvação: buscar a
presença de Deus num Menino, em todos as crianças do Mundo.
2- Adorar a Deus: encontrar Cristo
nas crianças
Os magos são sinais de todos os povos
pagão do Oriente (e do mundo todo: três é a totalidade humana), que vêm até
Jerusalém para adorar o Rei dos Judeus, já nascido, pois a Estrela apareceu.
Eles, os Magos, são sinais de um caminho de busca e fé universal, que vai além
do nível israelita, tanto por sua origem como por seu objetivo.
Por sua origem: a força que os leva
até Jesus não é a Lei de Israel, senão a luz da Estrela de sua própria religião
(pagã), desde a Pérsia/Babilônia, desde o mundo todo.
Por seu objetivo: depois de adorar
Jesus, não ficam ali, para formal um povo espacial/geográfico, ao contrário,
voltam à suas terras, como indicando que o caminho da Luz do Rei israelita devem
ser interpretado desde suas próprias tradições religiosas e culturais. Eles
conhecem a nova verdade: Deus está num Menino e em todos as crianças
necessitadas e carentes.
Por isto, no final do Evangelho (Mt
28.16-20), os cristãos têm que sair de Belém e da Galiléia, para levar a todos
os povos a nova mensagem, própria dos Magos (que são judeus ou cristãos,
muçulmanos ou hindus ou pessoas que não têm religião externa). Deus se fez
Menino, Deus se encontra e vive (encoraja, espera) em todas as crianças do mundo.
Sendo religião do nascimento, o cristianismo é religião de amor oferecido a
todos os necessitados da terra, começando pelos mais necessitados de todos, que
são as crianças. Os discípulos de Jesus devem levar essa Mensagem, mas não a
partir de Jerusalém (pois os sacerdotes não querem levá-la), mas a partir da
Montanha da Páscoa.
3 - Especialista em buscar e cuidar das
crianças. Conclusões.
1 – Jesus, Messias de Deus, não está fechado
no Templo e na Lei de Israel, mas aberto em Belém, para todos os que veem, como
criança que necessita de todos. Não é Rei que impõe seu direito, senão Criança
Necessitada, nos braços de Sua Mãe. Não é sacerdote que expande a sacralidade
divina a partir do Tabernáculo do Templo, mas criança ameaçada, que deve
exilar-se no Egito, assumindo assim a história do Autêntico Israel, Filho de
Deus (cf. 2.15). Jesus é a Sabedoria dos
Anjos, a Sabedoria da Natureza (pastores e cabras), com a mulher Maria e seu
esposo, com José e com os Magos.
2 – Os representantes religiosos e
sociais de Israel não foram à Belém para adorarem ao Rei dos Judeus, não querem
uma religião de crianças. Eles conhecem de algum modo o mistério (sabem que o
Messias deve nascer em Belém), mas não querem buscá-lo, nem oferecem o tesouro
de suas vidas (cf. 2.11), pois estão muito preocupados com suas sacralidades
nacionais e sociais. Este é o paradoxo de um Messias Criança, que nos custa
aceitar. Queremos outras coisas, não sabemos deixar tudo e cuidar das crianças.
3 – O rei Herodes não aceita o
Messianismo de Jesus e decide matá-lo. Consequentemente, a vinda dos Magos se
inscreve num contexto de perseguição: o rei da vez persegue o verdadeiro Rei
dos Judeus, obrigando a exilar-se, enquanto os buscadores messiânicos do
Oriente retornam às suas terras por outro caminho. Herodes tem medo das
crianças que podem nascer fora do seu domínio, filhos de exilados, de
imigrantes... Tendo medo das crianças que hoje nascem e que podem lhe tirar o
trono. Por isto está disposto a matar as crianças, de um modo ou de outro, para
manter seu domínio.
4 – A verdadeira sabedoria e
santidade está em acolher e cuidar das crianças, as próprias, as distantes, as
outras, de todas as crianças. Tomado assim, o dogma cristão é muito simples: só
há UM Deus, Aquele que se manifesta como Pai de todas as crianças, Aquele que
nasce como Filho, como Filho de todos. Esta é a Sabedoria, esta é a Santidade:
acolher e cuidar das crianças, abrindo para elas as portas da paz deste mundo.
Conclusão
Olhemos novamente o ícone que nos vem
de uma das igrejas mais ricas da Cristandade, antes da grande disputa dos iconoclastas
(que destruíram as imagens). Estas podem ser as conclusões:
- A Sabedoria de Deus é uma criança
que nasce, Deus Encarnado. O Natal é cuidar das crianças e dos necessitados.
- Os sacerdotes deste Natal são antes
de tudo, Maria e os Magos, a mulher grávida de Deus, os Magos buscadores de Sua
Sabedoria, que chegam à pé (seus cavalos são deixados à sós, abaixo, à
esquerda).
- Este é o grande mistério para o
José, o varão israelita, enquanto toca a música o anjo da flauta e chegam
também os pastores.
Nota sobre o ícone: Do século VII/IX d.C., proveniente do
Mosteiro de Santa Catarina do Sinai. Há outras versões do ícone no Google:
ícones do Mosteiro de Santa Catarina.
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