quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

A Purificação/Ressurreição de um Leproso: Revela-Se o Senhor que Inclui.

Rev. Marcio Retamero

Evangelho de S. Marcos 1.40-45

“40 Um leproso foi até ele, implorando-lhe de joelhos: “Se queres, tens o poder de purificar-me”. 41 Irado, estendeu a mão, tocou-o e disse-lhe: “Eu quero, sê purificado”. 42 E logo a lepra o deixou. E ficou purificado. 43 Advertindo-o severamente, despediu-se logo, 44 dizendo-lhe: “Não digas nada a ninguém; mas vai mostrar-te ao sacerdote e oferece por tua purificação o que Moisés prescreveu, para que lhes sirva de prova. 45 Ele, porém, assim que partiu, começou a proclamar ainda mais e a divulgar a notícia, de modo que Jesus não podia entrar publicamente numa cidade: permanecia fora, em lugares desertos. E de toda parte vinham procurá-lo.”



          O “dia típico de Cafarnaum” conforme nos relata o primeiro capítulo de Marcos, é marcado pelas palavras e ações de Jesus, tais ações se dão no campo do miraculoso: curas e exorcismos. As palavras “com autoridade” somadas às curas e exorcismos, revelam o poder do Filho de Deus, mas não ainda a revelação plena de Jesus como “O Messias de Israel”, por isso segue a tensão entre as palavras e as ações e o “segredo” típico deste Evangelho, conforme nos prova a primeira parte do versículo 44: “Não digas nada a ninguém”...

          Nesta porção que engloba os versículos 40-45, Marcos nos conta a purificação – purificação e não cura – de um leproso. E isso é muito importante para entendermos a dimensão do que aconteceu aqui.

          O leproso é considerado um impuro que sofre na carne as consequências do seu pecado. A lepra era considerada um castigo divino – podemos confirmar isso tanto na Bíblia Hebraica (AT) como aqui, no NT – e conforme a Lei Mosaica, o leproso tornava-se um “morto social e religioso”, ou seja, um “morto vivo” que morava fora do arraial (da cidade), andava em vestes rasgadas, cabelos desgrenhados, morava no “lugar do monturo” (cf. o Livro de Jó), local onde era jogado o lixo, na sua passagem, gritava-se: “Impuro! Impuro!”; não poderia jamais conviver com os seus familiares, amigos e frequentar os serviços religiosos. A ele se impunha o ritual do luto, posto que está “morto” (Lv 13.45-46). O leproso era apartado completamente do mundo dos vivos.

          Tal era a situação do nosso leproso que corre a Jesus, declarando que Ele poderia purifica-lo, se quisesse. Jesus quis e a purificação se realizou plenamente, promessa concretizada das muitas da “Era Messiânica” (Mt 10.8; 11.5). Portanto, purificar uma pessoa da lepra, equivalia a ressurreição dos mortos, posto que trazia de volta ao mundo dos vivos, aquela pessoa que vivia no mundo dos mortos, literalmente!

         Uma nota importante: Na Bíblia de Jerusalém e em outras encontramos no vers. 41 o adjetivo “Irado” – nas Bíblias da SBB (Sociedade Bíblica do Brasil, muito usada por nós, protestantes e evangélicos), encontraremos “movido de compaixão” ou “profundamente compadecido” (Revista e Atualizada). Esta variante da transliteração do grego não é de menor importância para entendermos o texto e o seu contexto, logo, a interpretação do todo. Jesus fica irado porque o leproso quebrou a Lei, “tocou-o”, assim também como Jesus o tocará, logo, também Ele quebra a Lei. A outra interpretação para a “irritação” de Jesus é que o que estava acontecendo ali contraria a vontade de Jesus *naquele momento*, naquele contexto de não-revelação plena da sua missão e do seu caráter messiânico, Ele não queria ser manifestado ainda como “O Messias” e Filho de Deus (vrs. 34.43.44). Já o “compadecido” ou “movido de compaixão” dá outro tom: Jesus padece junto com aquele leproso ao vê-lo jogado aos seus pés, pedindo, rogando sua purificação. Esse “padecer junto com” o leproso, leva Jesus a realizar a purificação, ainda que contrariado, pois sabia que aquele sinal não ficaria sem “propaganda” como podemos ver no final do texto.

          Após a purificação, Jesus ordena ao purificado que vá apresentar-se ao sacerdote para cumprir o complicado rito de purificação segundo a Lei Mosaica (Lv 14) “para que lhe sirva de prova”, “para servir de testemunho ao povo” (v. 44). Essa tensão entre o silêncio ordenado e a prova/testemunho é típico deste Evangelho que revela progressivamente Jesus como “O Messias”. A imposição do silêncio nunca é respeitada, nos revela o evangelista, como que querendo nos dizer que não pode ser contida, silenciada, a manifestação do poder de Deus.

          O purificado torna-se, assim, um proto-proclamador da “boa notícia”, da “boa nova”, carregando em si mesmo, na sua carne, a “prova” desse Reino de Deus que já está instalado no meio do Povo de Israel. Se o testemunho ao sacerdote vai reintegrá-lo à sociedade dos vivos, o testemunho da sua purificação realizada por Jesus vai fazê-lo pregador/anunciador do Evangelho: Emanuel é real e chegou!

          A Era Messiânica é um era (para além dos seus contornos políticos conforme o pensamento deles) de curas, libertações, “shalom” no sentido holístico da palavra. Logo, “Era de Inclusão”, de ressurreição dos mortos e sua lógica reintegração – “vida e vida em abundância!” – entre os vivos, na sociedade civil e *religiosa*. Purificar um leproso, afirmamos acima, equivale à ressurreição e as consequências disso é seu pleno retorno à vida (familiar, civil, religiosa).



          Para nós fica a lição: o Evangelho “ressuscita mortos” existenciais. Quem são hoje, para além dos reais doentes assolados pela Hanseníase, os leprosos? Quem são hoje os “intocáveis” sociais e religiosos? Quem são os mortos? Essa reflexão, se levada à sério, nos levará aos marginalizados, excluídos de toda ordem, párias sociais (que conhecemos e sabemos MUITO BEM quem são) e a lógica de tudo nos leva a certeza que o Evangelho é Boa Nova para o hoje, o aqui e o agora. São essas pessoas os alvos (ou deveriam ser) da proclamação do Evangelho pela Igreja. Logo, a pergunta legítima que deve ser feita é: A Igreja tem nessas pessoas seus alvos? São elas atingidas por esse Evangelho pregado todos os domingos nos nossos templos? Estamos realizando a missão de ressuscitar esses mortos existenciais e reintegrá-los à vida e vida plena e abundante? Se a resposta é “não”, estamos em rota de colisão com tudo o que nos é revelado pelos quatro evangelistas; mais que isso, não estamos cumprindo a missão que o próprio Senhor e Salvador – que dizemos confessar – nos ordenou!

          Por fim, mas o mais importante: se você que me lê é considerada uma pessoa “intocável” pela nossa sociedade, há uma Boa Nova! O Evangelho da Graça de Deus em Cristo Jesus ainda não está completamente morto, mas VIVE nas margens das igrejas do status quo, são as igrejas inclusivas que têm realizado a missão nos dias de hoje, conforme nos ordenou o Senhor da Igreja.

          Muitas pessoas já foram ressuscitadas e hoje, felizes, compõem essa multidão que tem alvoroçado o mundo e que já está presente entre nós! Há um lugar pra você entre nós! Você não precisa mais tomar sobre si e internalizar e viver o que essa sociedade que não vive na lógica da Graça, antes, nos esquemas excludentes (misoginia, homofobia, preconceito racial, de origem e todos os preconceitos já inventados ou a inventar)... Sim, há um povo que tem caminhado junto como Família no Senhor e que tem vivido e proclamado esse Evangelho que a ninguém exclui, antes, ressuscita e reintegra TODAS as pessoas!


          Minha oração e meu desejo sincero é que você, considerada uma pessoa pária, uma pessoa já falecida, invisibilizada, seja atingida, alcançada por essa Graça proclamada por nós e, assim, tenha vida e vida em abundância! Amém!

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